domingo, 20 de março de 2022

Outono

      Da janela 

Os soluços finos

Dos violinos

De outono

Ferem minha alma

Com a lânguida e calma

monotonia do sono.

Paul Verlaine

(tradução de Juremir Machado da Silva)

 

Meu amor é uma flor perdida na escuridão, eu sei de tudo e nada disse que sei nada sobre a vida. Chegada a hora de me manifestar, a razão anda perdida, os fanáticos percorrem os corpos. Eles são o fundamento desta pobreza de espírito, ainda ando devagar, quase correndo, e a fronteira é parte da vida. Devo ir adiante sem olhar para trás, devo ir avante remoendo a linguagem, desopilando o espírito? 

Tenho que escutar a sabedoria do velho sentado à beira da estrada, logo em frente a um bar, cuja placa deixa claro aos viajantes: “Atendemos só os filhos de Deus”. O velho olha-me e diz que não é para levar a sério, que entre e compre o que bem quiser, pois o filho dele é só um fanático, não entende nada da vida, só dizer que é o que ele quer que seja, que eu compre e caia fora. Antes que ele percebesse já tinha partido e o velho me comentou: “Vai, meu caro, Deus está dentro de ti, ou não. Não importa, a fronteira é logo ali adiante”.

Tenho que ir embora, enquanto o trem não aparece, olho para todos os lados, o que mais me encanta é o céu, perdido me vejo na clareza da vida. Depois da cancela, depois de uma coxilha, estarei na estação do outro lado, feliz e triste, à espera do trem.

O Vazio dos outros me encantava, não mais. Dou o adeus na solidão, não gostaria de estar na estação sem os amigos. Eles já partiram. Tenho medo e me sinto feliz por ir ao encontro de todos. Agora é tarde, dizia minha avó, e ela partiu antes de eu mesmo ter nascido para o mundo. Quando eu ainda chorava em sua cama, ainda ouvia sua voz. Era apenas uma criança. Aprendi a amar com a despedida sem um diálogo. Soube que eu ficava por perto. A solidão marcou minha vida.

Da luz vem a sombra, os galhos de manjericão na estufa de um quarto escuro. Provisório. Tudo nasce, vive e morre diante da lente − os galhos pagãos percorrem o Ocidente desta casa rumo ao hermético poço de luz dos olhos em luminosos dançantes do abril que está por vir. A fronteira é logo ali, na curva do equinócio de cada errante navegante.

(Releitura de 2020 sobre o outono) 

 

 

 

 

 

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