domingo, 30 de janeiro de 2022

O Fantasma do Ser

 

                     By Denise Souza (a mão do desejo) Dublin - Ireland

“Uma palavra bem grande, instransponível. Tire o chapéu pelo menos, disse ela.”
(Samuel Beckett – O primeiro amor).

“O acaso é o grande senhor de todas as coisas. A necessidade só vem depois.”
Luis Buñuel


Lentamente, ela caminhou até a luminosidade natural. Abriu as janelas da varanda, com as duas mãos segurou o tempo, a umidade noturna molhou seus dedos firmes. Chorou. E pensar que não era seu forte sentimentalismo existencial, naquele dia a sensibilidade tomou conta de seu corpo, era como se o Ser fosse mais profundo que a filosofia moderna no caldeirão pós-medievalismo, que o Ser tivesse uma transcendência.

Respostas em agrupamentos de dados jogados do alto de sua estima eram o resultado de sua dor. Os dados ficaram parados no ar, no feixe de luz que entrava pela brecha da varanda. Ela permaneceu em silêncio, as horas eram esquecidas pelo tempo de seu coração dolorido. Quando veio o fim do dia, o frio da cidade, o vento tomaram o lugar da luz, e a brisa retirou toda sua náusea, toda sua vontade de se perder.

A infinita reflexão é sempre maior que a certeza da vida. As ideias voltaram aos poucos. Era como se tivesse tomado um remédio para algo que nem sabia, o efeito alucina a sólida certeza de ser só no mundo. A vida estava restabelecida. Um rasgo de ar fresco dissipou os dados, que, sumidos junto ao sol, não passavam mais do que uma ilusão.

Deu um grito. Ao fechar a porta da varanda, e voltar ao pensamento sobre a condição e possibilidades de sair das impossibilidades do Ser, voltou para sua alma. Sua morada. A unicidade de cada um, o exemplar brutal em vida.

O vilipêndio diante das coisas corriqueiras é só um pretexto para se afundar de vez na simplicidade das pequenas e sinceras mentiras da vida, e que tudo de mais é simplesmente grandioso só pelo fato de sentir, ver, desenhar, interpretar a arte mínima do Viver. Deu-se conta do movimento entre a luz e a porta que se fechou: o movimento estava entre o abrir e o fechar no interior de sua alma. 

O intransponível, uma palavra do pensamento foi como entrar e sair de um lado ao outro. O estrondo do céu na escuridão do tempo, um sopro beckettiano tomou conta de sua vida.






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