“[...]
uma gota de nada dissolvida no ar vazio.”
Paul Auster
(4 3 2 1)
Ao rio
que mora na gente, a presença forte por cima da gente, como se fosse nos
cheirar por todas as gotas que trasbordam dos rostos, dos poros. O corpo
encharcado, uma sombra no escuro, um peso mais leve que a folha noturna caindo
do teto.
E
tenta mover os braços, sentir a pele, minhas mãos, nossas mãos sobre o rosto. Lembrar
daquele romance de Auster tardiamente, na velhice, e não na infância, no
interior de seu mundo, nos braços da voz de sua mãe, e no livro que era a
sinfonia do choro dos dois, “rolar na lama”, e não era só tristeza dos dois,
ele ainda pequeno, na solidão com sua mãe, um filme na tevê preto e branca, o
som dublado dos sentidos, e no romance dizia que “as lágrimas não paravam de
empurrar os dois para o passado”. Ela sabia da proteção desse amor, e o filho
sentado ao seu lado, a película no ecrã Colorado,
a marca de um tempo, e as lágrimas uma terapia e proteção ao lado de sua mãe.
O
tempo foi mais distante que eles pudessem imaginar, nem ela mais pensava no
passado, o futuro no interior escondido de suas almas era que “o choro chegou
ao fim”, e tudo isso lembrado anos e anos mais tarde. Foi preciso muita
lágrima, distanciamento para compreender o amor, a solidão, e os livros, os
filmes em trilhas regadas do álcool da vida, uma contemplação para o retorno
àquele tempo que ficava ao lado da mãe, que ouvia histórias, tampouco importava
se do mundo dela, já era o futuro, e um jovenzinho teria que brincar sozinho,
encontrar os amigos, os segredos e mistérios da vida no apogeu, e como o futuro
já era ao lado de sua mãe, tudo voltou como antes, ele chora sozinho ao lado de
si.
E o
relato:
Meu corpo imóvel, sem ação, tentei
dizer algo, como se a voz estivesse contida naquele livro de capa verde um
pouco claro, manchado, e letras parecendo uma caligrafia suja do envelhecimento.
E
como o livro adormeceu, ao lado a força presente no escuro dos olhos regalados
do presente. Um peso sem volume, um ar denso dissipando as forças, o movimento
eterno, e ele procurando forças para abrir de vez os olhos, uma contratura
entre o movente e a paciência eterna do querer demorar para sentir a presença.
Uma
falta de absoluto, uma força bruta na leveza do corpo inerte. O hálito de
baunilha, o doce está na pele, os cheiros da infância, uma folha úmida entranhada
no rosto movida entre os braços e o vulto que desapareceu. Quase tocou sua mãe.
Por um décimo de segundo, um pouco mais, talvez da próxima vez consiga decifrar
as lágrimas ao lado dela.
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