terça-feira, 26 de agosto de 2008

Acordar



“A estátua que se desterra e que se apresenta à admiração, nada espera, nada recebe, parece, antes, arrancada ao seu lugar. Mas o livro que se exuma, o manuscrito que sai do jarro para se expor à plena luz da leitura, não nasce de novo, por uma chance impressionante?” Maurice Blanchot


Quase todo mundo um dia acordou no meio da noite, de madrugada com a sensação de uma leitura, um livro, que essa leitura poderia estar ali, ao seu lado. Eu, de repente me vi conversando com esse sentimento, um misto de vigília com um acordar desgovernado ainda letárgico, em que a razão alcança o ponto suficiente apenas para lembrar que existem coisas a serem feita. Abro os olhos lentamente. Percebo a ausência absoluta de um corpo ao lado, vejo que ao lado, na sala, ainda tem uma música tocando. Não consigo lembrar-me de voz nenhuma nem cheiros humanos me fazem voltar deste acordar, entre a vigília e o estado de esquecimento diante do mundo, ou pelo menos, aquilo que a razão identifica como sendo mundo, cidade, casa, amor, noite e morte.
O sono desperta com Blanchot quando diz que um artista é “ignorar que já existe uma arte, ignorar que já existe um mundo”. Me sinto como o leitor de um livro, um leitor do meu acordar. Por isso corri à estante atrás do Blanchot, como se nada pudesse resolver esse enigma do se sentir lido por si mesmo, em estado de absoluto nevoeiro de idéias e ininteligibilidade das coisas.
Se o leitor está num profundo confronto contra o autor, porque sua compreensão que possa existir ao imaginário da obra é de um anonimato, de uma “afirmação violenta” que escapa do controle do autor. Uma obra em que os personagens não importam, uma obra em que os personagens são como esse meu sonho, em que o social não é nada mais que um esquecimento noturno, proporcionado pelo desapego ao cair no abandono dos pensamentos. Esses já sem as idéias, porque elas jazem com os sistemas filosóficos que um dia foram criadas das incertezas dos homens. O leitor venceu! A interpretação se sobrepôs aos fatos.

5 comentários:

Anônimo disse...

O sono é o escuro silêncio onde ainda não há sonho, sequer realidade. De que adiantaria chegar ao sonho, quando se sabe que mesmo a irrealidade se falsificará e tentará se impor como real? Ter a liberdade de estar entre a arte e o mundo é descansar o corpo encostado nas muralhas do nada - misto de lucidez e desapego.

Raphaela Cravo e Canela disse...

Adorei o espaço! Deixo-te a refletir sobre algo:
If you cannot be a poet, be the poem"
És poeta e és poema!
Beijinhos

Thaís Dourado disse...

Um artiste é criar um "artemundo".
:)
Quanto à questão do cinema: existe sempre aquele protótipo de que o livros são necessáriamente melhor que filmes - o que não é verdade.

'If you can be a poet, you are a poem too'

Maquinaria de Linguagem disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Maquinaria de Linguagem disse...

Thaí, nunca me importo se um filme é pior que o livro. Me interessa aquela linguagem. Não me interessam os protótipos, a não ser que leio ou veja uma coisa muito ruim. Aí, claro, direi, é um lixo.

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