sábado, 1 de maio de 2021

Porta-Retratos


 

“Quando não chega carta planejo arrancar o calendário da parede, na sessão de dor.”

Ana Cristina Cesar

 

Andas beijando meninas e meninos, claro, não na mesma ordem. Eu beijei por última vez uma parede, aquele velho porta-retratos, enquanto voltavas de viagem, anos 1980 dos velhos amores. Estou pronto ao novo tempo, o distanciamento trouxe na bagagem a solidão, o passado das outras vidas que vivi se aproxima na mesma intensidade viral da poesia em movimento. Foi como um tsunami, a força das águas levou meus sentimentos para além desta cidade.

O vírus espalha sombras do esquecido, ele não consegue entrar no que se fecha, cerrado, o peito fortalecido pelo respeito, a solidariedade, não o medo, este já existe em todos os cantos deste país. Janelas abertas, sol que entra junto com a lua, invasora do acontecimentos.

 Ando relendo os meus amores, as amizades, os que já partiram antes mesmo de ter sentido que um dia eles partiriam de vez. A voz que se perdeu, o brilho dos olhos apagado no último voo, a cor dos cabelos da infância.

E penso em tê-la visto depois da janela, cruzou de mãos dadas com a vida, distante dos que negam a própria vida. O caminhar seu de mãos dadas com os passos largos da Vida, que é à base de amor: dedicação, solidariedade e respeito ao desconhecido, o medo é tudo isso, mas és mais forte que eles todos.

 


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