“Ele
sabia, porém, que a linguagem nos suporta como um elemento. E, contudo, ele a
obrigou frequentemente com violência a se voltar contra si mesma.”
Hans-
Georg Gadamer
Tarde cinza, a escuridão do quarto, a
janela se abre com vento que vem do outro lado do rio. A batida na janela é
forte. Zunindo, o som é zinco a zunir em meus ouvidos, a mão invisível força a
persiana, força meu sono a acordar. A luz que entra no quarto é tempo do sol, um
prenúncio de primavera que é envolvido pelo movimento ‒ a Terra, o corpo
inerte, as mãos nos olhos, a boca na secura, os olhos na persiana que bate, escancara
a alma ao tempo ao som da “Oração ao tempo”.
Um corpo, antes inerte, acorda sem se
importar com nada, o vento passa de um lado a outro, homens cruzam sua casa.
Fantasmas em olhos embaçados, seu quarto é invadido por cavaleiros das trevas.
Um cheiro forte fica no ar, o incenso da vizinha se mistura no cheiro do café
vindo da cozinha. O caminho até o fogão é próximo. Pássaros habitam a antena de
TV do prédio ao lado, cabelos úmidos e fétidos adeuses que ficaram no tempo de
outro lugar. Um homem sem se mover, olha em volta, resmunga, olha o lado
contrário da capa do “Ser e o Tempo”, o vinho cheio na garrafa, pensa em levar
as mãos até o clarão vermelho que completa a borda do cálice. As mãos trêmulas.
De um só pensamento. Levanta! Consegue ir até a porta, entra e diz ‒ vim tomar
um café no meu amanhecer.
Um comentário:
muito bonito! cheio de olhares essa vida
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