terça-feira, 17 de março de 2015

A mulher do Café



“Não sou nada. Nada mais que uma silhueta clara, naquela noite, na esplanada de um café.” Patrick Modiano

Em frente ao café fiquei. Parado mais de vinte minutos, imóvel, sem arredar pé, fiquei ali a ver um gesto do lado de dentro, alguém que pareço conhecer, uma mulher sozinha, imperativa, ao mesmo tempo absorta, parecia perdidamente desnorteada em si. Mas como poderia ser isso, eu estava a metros, lado de fora, o vidro imenso nos separava? Eu invisível a todos, ali, parado, as pessoas atravessavam por dentro de mim, zunido forte em cada movimento, eu ali, estático, meus dedos eram únicos, o vento que batia de frente na árvore. O movimento do tempo entre a rua e o café. Aos poucos, muito mínimo as folhas secas caíam sobre a calçada e, ali estava eu a ver aquela imagem que mais parecia um filme de outro lugar.

Eu estava aqui, um buraco de cidade, os carros e a sirene de ambulância, gritos, músicas e ruído, vozes em cântico ou lamentos de falta de visibilidade. Nada me tirava do tempo único e parecia ser pouco vinte minutos. Vinte segundos entubado: água em minha boca... Ali, estava eu, ao redor, um mar de gente, um mar ao fundo, o café por dentro em sua cor de sol que queima. A mulher perdida em seu olhar dentro da xícara. Eu ali, um homem sem interesse algum ao lamento da cidade. Um crime, pensei. Ela deve ter cometido um crime, eu a conheço, ela está ali, eu aqui impenetrável a sentia sem ela perceber. A mulher parecia incomodada com algo, chamou uma pessoa, falava gesticulando, olhou em minha direção, uma negativa no movimento dos ombros, a cabeça de um lado ao outro, como uma bandeira ao vento. De repente, ela levanta, se dirige ao balcão, paga o café e sai à rua, em direção a mim.... Me atravessa ao meio...passa resmungando, um soluço, algo que não deu para entender. Depois, já dentro do meu silêncio, ela se mistura ao meu tempo... segundos depois, parte em direção ao mar. Ouvi uma única coisa: “Os peixes do lado de lá fedem menos do que desse lugar”. Sumiu. Voltei a flanar em direção ao outro lado.

2 comentários:

PAULO TAMBURRO. disse...

LUIS,

é uma das minhas preferências atuais visitar certos blogs e o seu é um deles.

Que tal dar um pulinho lá no "Como era fácil fazer sexo" e tomar conhecimento do "presentinho" que temos para todos?

Um abração carioca.

Marta Martinz disse...

Ela não vê que toda gente, já está sofrendo normalmente
Toda a cidade anda esquecida, da falsa vida, da avenida
Onde Ela desatinou, viu morrer alegrias, rasgar fantasias
Os dias sem sol raiando e ela inda está sambando
Quem não inveja a infeliz, feliz
No seu mundo de cetim, assim,
Debochando da dor, do pecado
Do tempo perdido, do jogo acabado

Passagens

        Brassaï - Pont Neuf, Paris (1949)     “ As ruas são a morado do coletivo.” Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cru...