“A verdade surge justamente onde um ser separado do outro não se funda nele, mas lhe fala.”Emmanuel Levinas
Estava
aqui sem fazer nada, olhava o rio que passa ao longe, olhava as pessoas em
fuga, das águas do rio a correnteza levou suas vidas. O rio afoga, o rio salva.
Medo de sua própria gente. Estava, como disse – de repente, vem um grupo
entoando cânticos, um pouco marcha militar, música religiosa, com fome de bola,
de livros sagrados, os que soletravam precariamente a própria língua,
vociferavam a gosma da vida na calçada das ruas que desaguava no rio. Era tudo
o que meus olhos não precisavam ver. Vi e sem chorar, ouvi um disco de Cartola
para acalmar minha ira.
Estava
eu aqui lendo um livro, passou em minha janela, ali na rua, a multidão de um
homem e uma mulher a ronronar e esbravejar contra a presença das águas, contra
a cor das águas do rio, que um dia mudou de cor, “porque essa não é como
queremos” um deles dizia, então, “morra, seca, permaneça lá no fundo, no lodo
mas não venha aqui em nossa cidade”....
Estava
eu aqui, sentado na varanda, vendo e ouvindo tudo... me levantei, fui até a
janela que era banhada pelo cheiro do rio, fechei a casa. Peguei o primeiro
ônibus em direção ao mar, no primeiro navio, parti e fugi do grupo que desejava
expulsar as águas de nossas vidas. Vou embora com o mar para outro lugar em
busca de um outro rio, outra cidade livre da ideia de pureza no sonho de sua
gente.
Ana Ferray
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