quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Desconhecimento



A certeza do amor é a incerteza do próximo dia, mas a incerteza dos dias é a força do amor....Aí, lá estou atravessando a rua na faixa de segurança de meu bairro, penso em E. E. Cummings, o quanto o Wally Salomão gostava do poeta, das vezes que conversamos sobre o desconhecido da poética e muito mais sobre o desconhecido na fabricação da vida com o amor. Eu me entusiasmei com ele, seu jeito de falar, o outro poeta, de como o tempo pode trotear no acaso. Sobre as ruas por onde passo, por cidades que nos dividem, e continuamos a passar, dândis em ruas de Porto Alegre, por lugares que nos cruzamos... Lembrei do Cummings hoje.

“A Função do Amor é Fabricar Desconhecimento

a função do amor é fabricar desconhecimento

(o conhecido não tem desejo;mas todo o amor é desejar)
embora se viva às avessas,o idêntico sufoque o uno
a verdade se confunda com o fato,os peixes se gabem de pescar

e os homens sejam apanhados pelos vermes(o amor pode não se
                  importar
se o tempo troteia,a luz declina,os limites vergam
nem se maravilhar se um pensamento pesa como uma estrela
—o medo tem morte menor;e viverá menos quando a morte acabar)

que afortunados são os amantes(cujos seres se submetem
ao que esteja para ser descoberto)
cujo ignorante cada respirar se atreve a esconder
mais do que a mais fabulosa sabedoria teme ver

(que riem e choram)que sonham,criam e matam
enquanto o todo se move;e cada parte permanece quieta:


pode não ser sempre assim;e eu digo
que se os teus lábios,que amei,tocarem
os de outro,e os teus ternos fortes dedos aprisionarem
o seu coração,como o meu não há muito tempo;
se no rosto de outro o teu doce cabelo repousar
naquele silêncio que conheço,ou naquelas
grandiosas contorcidas palavras que,dizendo demasiado,
permanecem desamparadamente diante do espírito ausente;

se assim for,eu digo se assim for ―
tu do meu coração, manda-me um recado;
para que possa ir até ele,e tomar as suas mãos,
dizendo,Aceita toda a felicidade de mim.
E então voltarei o rosto, e ouvirei um pássaro
cantar terrivelmente longe nas terras perdidas.”

E. E. Cummings, in "livrodepoemas"
Tradução de Cecília Rego Pinheiro




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