Leio por necessidade da
profissão, muitas vezes, mas a maior parte das minhas leituras povoa o imaginário
poético-filosófico que fiz durante esses anos todos; parti junto à adolescência
antes mesmo de deixar a cidade que nasci, nesta época, os livros primeiros de
minha existência, livros de uma biblioteca particular de um amigo que era sócio
do Círculo do Livro, depois eu virei sócio também, e comecei adquirir um pouco
do misterioso mundo da vida. A música foi minha primeira amante, com ela soube
voar de vez à dimensão das letras, das ideias, da contestação existencial
existente nos homens. Eu fui além. Eu aprendi com a música a gostar dos
livros e vice-versa.
Agora ao ler Simone de
Beauvoir “La Force des Choses”
“As circunstâncias – quase
não vou mais ao cinema, nem ao teatro, prefiro ficar em casa; evidentemente, eu
poderia ler; mas quando, à noite, chego em casa, estou farta das palavras;
sinto-me cansada deste mundo em que vivo e que ainda reencontro nos livros. Os
romances pretendem inventar um outro, muito semelhante a este e, geralmente,
mais insípido. A música transporta-me para outro universo onde reina a
necessidade e cuja substância, o som, me é fisicamente agradável. É um
universo de inocência – pelo menos até o século XIX – porque o homem está
ausente dele.
(...) Além disso, eu tinha, em música, ignorâncias enormes. Ela me trouxe o que as outras artes me recusam
agora: o choque das grandes obras ainda virgens para mim. Aprendi a conhecer melhor
os músicos que eu já amava. Meus livros amontoaram-se, ao acaso, em minha
biblioteca e nada são para mim; mas gosto de olhar, austeras ou risonhas, as
lombadas multicores, que abrigam tumultos e harmonias. Foi através da música
que, nesses últimos anos, a arte misturou-se, familiarmente, à minha vida; foi
através dela que recebi emoções violentas, que experimentei seu poder e sua
verdade e, também, suas limitações e suas fraudes.” (p. 214 -215) Difusão Europeia do Livro, São Paulo, 1965. Tradução de Maria Jacintha
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