quinta-feira, 4 de abril de 2013

O Editor de Romances (fragmento)


                                                                                     


  “Minha pele se tornara um palimpsesto de sensações fugazes, e cada camada trazia a impressão de quem eu era.” Paul Auster



Eu vi a melancolia nesses anos todos rondando a casa dos sonhos, dos dias, as noites turvas, os namoros da juventude. Da adolescência mais atrás, minha infância. Mas nunca vi com tanta clareza como nesses últimos anos.
Saltimbancos divertindo os outros. Padres salvando almas. Jamais vi flores mortas sendo recolhidas dos parques por assassinos. Nunca sonhei com tantas idéias mortas e inúteis como nesses últimos anos.
Parece o fim. Mas não finda o fim das coisas, e tudo que já se esgotou pelas próprias mãos recomeçou em mãos alheias sem que eu menos pudesse esperar. Eu penso no primeiro amor dos meus 14 anos, nas primeiras ações dos primeiros dias de como a tristeza e como a alegria ao lado perfilou os sonhos e vigílias.
A insônia acompanhou as noites dessa essa época. Primeiro pelas noites mal dormidas de um reumatismo na perna quando tinha 15 anos, depois a realidade tomando conta da adolescência e tudo se desvendando, se mostrando na concretude sem realidade nenhuma, apenas as paredes dos dias cinzas de inverno.
Agora as noites se acumulam em minha vida e cada noite é igual ao sol que nasce todos os dias, mas a solidão acompanha minha insônia como a única e verdadeira amiga ao meu lado. O certo que é esse imaginário é o remédio para o medo, afugenta-o nas horas inesperadas.
Agora conto com os teus dotes culinários, beijos lânguidos e molhados. Deixamos para trás o Brasil, o buraco deixado do cigarro em minha cama. Um país distante. Um cálice quebrado na sala, um livro que levou emprestado, um CD que roubei de sua casa e as notas dos perfumes que comprei e que nunca saíram de minha casa. Nossa última noite no país foi como uma cantata noturna que tirou o nosso sono até o segundo final da despedida. Era abril.
Na França vivemos a maior parte do tempo inventando coisas para fazermos nas horas vagas. Minhas aulas são apenas seminários e ainda por cima você cuida de crianças numa casa de americanos próximo de nosso apartamento. A única a falar inglês. Isso é um alento. Não sei dizer nada além de um francês precário.
Você costuma dizer que Paris nunca nos cansará. O dinheiro é suficiente para os dois e ainda resta alguma coisa para as viagens de reconhecimento da velha cultura e podermos entrar os séculos adentro.
(Postado em 23 de outubro de 2007)
Foto: Sophie Calle


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