“Minha pele se tornara um palimpsesto de sensações fugazes, e cada camada trazia a impressão de quem eu era.” Paul Auster
Saltimbancos
divertindo os outros. Padres salvando almas. Jamais vi flores mortas sendo
recolhidas dos parques por assassinos. Nunca sonhei com tantas idéias mortas e
inúteis como nesses últimos anos.
Parece o fim. Mas não
finda o fim das coisas, e tudo que já se esgotou pelas próprias mãos recomeçou
em mãos alheias sem que eu menos pudesse esperar. Eu penso no primeiro amor dos
meus 14 anos, nas primeiras ações dos primeiros dias de como a tristeza e como
a alegria ao lado perfilou os sonhos e vigílias.
A insônia acompanhou
as noites dessa essa época. Primeiro pelas noites mal dormidas de um reumatismo
na perna quando tinha 15 anos, depois a realidade tomando conta da adolescência
e tudo se desvendando, se mostrando na concretude sem realidade nenhuma, apenas
as paredes dos dias cinzas de inverno.
Agora as noites se
acumulam em minha vida e cada noite é igual ao sol que nasce todos os dias, mas
a solidão acompanha minha insônia como a única e verdadeira amiga ao meu lado.
O certo que é esse imaginário é o remédio para o medo, afugenta-o nas horas
inesperadas.
Agora conto com os
teus dotes culinários, beijos lânguidos e molhados. Deixamos para trás o
Brasil, o buraco deixado do cigarro em minha cama. Um país distante. Um cálice
quebrado na sala, um livro que levou emprestado, um CD que roubei de sua casa e
as notas dos perfumes que comprei e que nunca saíram de minha casa. Nossa
última noite no país foi como uma cantata noturna que tirou o nosso sono até o
segundo final da despedida. Era abril.
Na França vivemos a
maior parte do tempo inventando coisas para fazermos nas horas vagas. Minhas
aulas são apenas seminários e ainda por cima você cuida de crianças numa casa
de americanos próximo de nosso apartamento. A única a falar inglês. Isso é um
alento. Não sei dizer nada além de um francês precário.
Você costuma dizer que
Paris nunca nos cansará. O dinheiro é suficiente para os dois e ainda resta
alguma coisa para as viagens de reconhecimento da velha cultura e podermos
entrar os séculos adentro.
(Postado em 23 de
outubro de 2007)
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