sábado, 17 de maio de 2008

Barraco em Palomas


Michel Houellebecq e Fernando Arrabal no filme "A Possibilidade de uma Ilha".


Não abro concessão a nada no Maquinaria de Linguagem, exceto quando amigos compreendem a maquinaria de linguagem, exceto quando a derrisiva escritura supera a mediocridade da pronvíncia. Aqui vai o texto do pensador Juremir, leitor de Borges e de Houellebecq entre outros.

Juremir Machado da Silva


Foi uma semana de arromba! Palomas é a capital cultural da sua região. Por estar próxima do Uruguai, organiza um evento chamado Linha Divisória do Pensamento. Os últimos convidados foram o homem de teatro espanhol Fernando Arrabal e um malucão com cabelo de índia velha chamado Gerald Thomas. No passado, Thomas teve algumas boas idéias e deu uma sacudida no tedioso teatro nacional. Depois, cansado de guerra, passou a dedicar-se a um culto esotérico: o thomasismo. A passagem dos dois pela aldeia foi um terremoto que abalou a Cordilheira de Palomas de ponta a ponta e continua repercutindo, ainda mais que um dos jornais locais, A Hora do Diário, sempre ávido por fofocas e barracos, talvez estivesse mordido por não ter conseguido uma entrevista com Arrabal antes da sua chegada ao Brasil. Nem foi por mal. O homem estava simplesmente sobrecarregado. Precisava ir banheiro.
No primeiro jantar em que se encontraram, os dois brigaram. Arrabal criticou os políticos americanos e os comparou a grandes ditadores. Thomas, que se diz membro da equipe de Barak Obama, reagiu com uma provocação perguntando se Arrabal não teria esquecido de citar o ditador espanhol Francisco Franco. A pergunta, obviamente, sugeria alguma simpatia de Arrabal por Franco. Tendo conhecido as prisões franquistas e tendo tido o pai condenado à morte pelos franquistas, Arrabal jogou um livro com a história da sua vida no Índia Velha. Dali em diante nada mais deu certo. Arrabal palestrou e foi ovacionado. Thomas abandonou a própria palestra pela metade e foi vaiado. O outrora pós-moderno original, limitou-se a defender a extinção do Estado de Israel e a emitir um “Heil, Hitler”. Era certamente uma ironia. Afinal, Thomas é de origem judaica. A mídia não prestou atenção a essa irrelevância. A Federação Israelita de Palomas, porém, não gostou das gracinhas do pretenso grande provocador e lançou, com boa dose de razão, uma nota de repúdio. Thomas não pára mais de se explicar.
Para complicar ainda mais o transcendente sátrapa, que não foge de uma boa polêmica e adora contar a sua história, lembra que “la Universidad Bar-Ilan de Tel-Aviv ha realizado con « El extramundi (Papeles de Son Armadans) » en su número XLI, revista creada por Camilo José Cela, el monográfico sobre Arrabal. Toda la contra-portada está ocupada por la firma de Arrabal y la frase ‘¡Viva Israel!’”. Por outro lado, a história que ocorreu com o pai do dramaturgo atual mais encenado no mundo está resumida, para facilitar a vida de qualquer curioso, assim na wikipédia:
“El 17 de julio de 1936 durante el pronunciamiento militar que provocó la Guerra Civil Española el padre de Fernando Arrabal se mantiene fiel a la República, por lo que es condenado a muerte por los rebeldes. La pena es posteriormente conmutada por treinta años de prisión. Fernando Arrabal padre pasa por las prisiones de Monte Hacho, en Melilla (donde intenta suicidarse), Ciudad Rodrigo y Burgos, hasta que el 4 de diciembre de 1941 es trasladado al Hospital de Burgos por una supuesta enfermedad mental. Investigaciones posteriores sugieren que la enfermedad era fingida para conseguir un traslado a un lugar menos vigilado. El 21 de enero de 1942 Fernando Arrabal padre se fuga del hospital en pijama y con un metro de nieve en los campos. Jamás se vuelve a tener ninguna noticia de él, a pesar de las búsquedas minuciosas que se han realizado con posterioridad. A causa de este trauma, como escribió Vicente Alexandre, «el conocimiento que aporta Arrabal está teñido de una luz moral que está en la materia misma de su arte”. Os mais exigente podem ler o livro de Arrabal “Porté disparu” (Plon, 2000).
Estranhamente uma parte da mídia resolveu defender o barraquento. O sujeito insinuou que um notório opositor de Franco estaria protegendo Franco, saudou Hitler e propôs a eliminação de Israel, foi embora sem terminar a palestra (deveria devolver o cachê) e encheu o saco de todo mundo com sua performance amadora. Como nada tinha para dizer e o oponente já brilhara em cena, restou-lhe questionar a validade do encontro. Sobrou até para o hotel Sheraton de Palomas. Furioso por não conseguir se conectar à internet com seu mac, Thomas queria ir embora na segunda-feira pela manhã, antes mesmo da palestra. O hotel não estava à sua altura. Convencido a ficar, encenou durante o seu arremedo de conferência uma tentativa fracassada de conectar o laptop. Sem dúvida, foi uma das mais duras críticas ao capitalismo neoliberal já feitas por um artista genial inconformado com o absurdo cotidiano.
Os trabalhadores da arte também se manifestaram. Houve espaço na mídia para todo mundo. Palomas viveu um grande momento. Depois que o iconoclasta Fernando Arrabal dormiu na frente de Eva Sopher, a eterna guardiã do Teatro São Pedro, tudo se tornou permitido. Deus está morto. Graças a esse ato digno de um transcendente sátrapa do Colégio de Patafísica, eu, que admirava Arrabal, virei seu fã. Enfim, vamos ao povo. Uma teatreira local, representante do sindicato do tédio, mas, segundo ela mesma, grande leitora, criticou a organização do evento por ter convidado os dois e por não dar oportunidade aos artistas estaduais de falar para mais de mil pessoas. A pregadora de peças esqueceu que os artistas locais colocam-se à disposição da população regional com seus espetáculos a cada ano. Pouca gente aparece. Por que será? Em todo caso, Palomas pretende investir no futuro em um evento maior para artistas caseiros, o Fronteirinhas do Pensamento. Buenaço!
Ao longo de semana, A Hora do Diário, explorou o assunto insaciavelmente. No começo, parecia disposta a liquidar Thomas. Em seguida, passou a enterrar Arrabal também para aliviar um pouco a situação de Thomas. Ao final, já estava abertamente do lado do Thomas. Por quê? Quem pode saber? O thomasismo, pelo jeito, é uma doença de segundo caderno. Desde antes da vinda a Palomas, Thomas botou defeito em Arrabal: garantiu que o espanhol costumava faltar aos eventos com os quais se comprometia, visitou o site do dramaturgo e o considerou “careta”, fez o seu jogo de cena. A verdadezinha é cristalina: Thomas não suporta concorrência. Mas é nosso. Ou quase. Temos, portanto, de inventar argumentos para defendê-lo. Ao menos, num aspecto se chegou à originalidade absoluta: deve ser a primeira vez que A Hora do Diário, jornal da comunidade judaica de Palomas, protege alguém que se permite propor a extinção de Israel. Não é Fantástico?

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