quinta-feira, 28 de junho de 2007

Metáforas da idade


Evgen Bavcar


Esse coração despedaçado mais parece um olhar blasé sobre a pele morena. Onde morava o Ser agora mora o espectro digitalizado de um beijo frio. Nem mesmo Erik Satie move-a dos lençóis dormidos. Ainda bem que hoje é sábado. A noite dos anos 80 não é a mesma desse século. Só morre de tédio quem transforma o signo da vida em realidade.
Sempre vivemos as possibilidades, acontece que nem sempre podemos contar com ela na solidão de um coração que fica depois que perde o sangue que congelou no último adeus. As viagens da vida não ultrapassam as dos sonhos, diria uma mulher solitária a ouvir o som do mar enquanto cuida sua filha que brinca na areia. As últimas aventuras poderão nascer desse olhar mas a cada ano ela se renova ao olhar de sua filha que cresce nas areias da praia. Então, como pensar em na sua vida, na integridade de seus sonhos, se nem eu mesmo consigo encontrá-la pra ver sua filha brincar ou chorar em seus braços? A contar pelos dias que vivemos juntos, somando aos nossos distantes silêncios de meses, essa mulher acumularia todos os adeuses do mundo pela falta que eu fiz em sua vida.
Esse era o meu sonho, o de simplesmente ficar ao seu lado enquanto sua filha brincaria nas areias dessa praia.
Será que ela precisa de elogios para me ver partir com mais rapidez? Precisaria reunir todas as espécies marinhas, os nativos da praia, as crianças e a filha para acenar enquanto eu sumiria no silêncio de sua dor, mar aberto do tempo.
Seus dias sempre nascerão entre as paixões, filmes, livros, músicas e amigos. Os dias fazem isso, cada vez que pensamos que o tempo nem nos brinda com um beijo nem sempre é o mesmo beijo. Acontece que ouvir o som que vem do mar, o silêncio plantado pelas perdas em nossos corações dá o tom dos dias seguintes e se sentir sozinho é a condição do estar vivo entre os que vivem distante.
Saberei entender essa mulher quando não mais encontrá-la, porque talvez ela tenha ficado nos olhos tristes e pequenos que esconde o zelo que tem por sua filha.





Passagens

        Brassaï - Pont Neuf, Paris (1949)     “ As ruas são a morado do coletivo.” Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cru...