“A atmosfera dessa
amizade pura é o silêncio, mais puro que a palavra. Porque falamos para os
outros, mas nos calamos para nós mesmos.”
Marcel Proust
Existem
milhares de faróis espalhados, milhões imaginados por pessoas que gostariam de
seguir viagem, dos que gostariam de aportar em terra segura, dos que fogem dos
perigos dos homens, dos que querem se proteger das tempestades, dos que desejam
uma luz para orientar seus projetos, seus navios.
Conheci uma jovem “escritora”, ela fez questão
de se autointitular iniciante de escritora, de alma já poeta, desde sempre, e
que desde o tempo de escola escrevia, vivia a poesia, leitora assídua de livros
de poesia. Foi em uma venda dentro do mercado San Fernando em Madri. Estávamos
lá para provar tapas e tomar um vinho branco fresco, era um sábado quente,
pleno outono, mas o dia estava de verão. Perguntou de onde éramos, disse,
Brasil, ela sorriu, disse que tinha lido Cecília Meireles na adolescência, que
gostava de música, de Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento, e que
amou poemas do Vinicius de Moraes, porém detectou um certo machismo no poeta.
Sorri, falamos coisas amenas, e para completar, disse “nós precisamos de um
rumo, eu particularmente, aqui na Espanha, em todos os lugares, nós mulheres,
um farol para seguir adiante”, completou passando a “botella” de vinho e dois
copos, “estou escrevendo minha primeira novela.”
Volto
ao farol. Tive um sonho tenebroso, um farol, como se meu cérebro fosse parte do
farol, que não conseguia mais comandar nada, que as ações não faziam mais parte
nem das emoções nem da razão, por isso o farol estava aos poucos perdendo o
contato com a vida. A vida dos meus sonhos se fragmentava partículas de água e
restos de plásticos jogados ao mar. Como se eu fosse parte do fim de um tempo,
em que o farol não teria mais nenhuma funcionalidade. Acordei empapado de suor,
apavorado, arregalei os olhos para o teto branco, pensei, ainda bem que estou
vendo, e que o sonho foi quase real. Entre onírico e o real, gosto de ficar
entre os dois. Correr
o risco ser verdade, me dá força esse limiar existente nos sonhos.
Pensei
em voltar lá no mercado para entregar um livro de contos para a moça que passou
muitas coisas novas, a percepção de alguém que nem conhecia, em falou de
poesia, de farol, de ter um norte para sua vida, uma saída, que para ela era
escrever. Para o viajante o seu norte é poder nunca perder de vista o farol.
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