domingo, 21 de abril de 2019

A Diferença, o Outro

     By Mat Hennek



O contraste entre o livro e o homem, entre o que é preconcebido e o que é dado pela natureza, entre a tangibilidade do livro e a incompreensibilidade do ser humano [...]
Elias Canetti


Eu não escrevo para leitores, escrevo porque leio o escrito do Outro. Ler o necessário é alimento, também, ler o que se consome na interpretação e o que se perde simplesmente no consumo diário. O cotidiano mata o leitor com tantos tiros possíveis que nem o mais sagaz testemunha consegue vivenciar essa perda sem se tornar agressivo. A agressividade remete-me à leitura.
Ler é ouvir a linguagem em sua simplicidade de signos. Não existe contradição neste pensamento. Não existe negação ao leitor, apenas decepção. Caso tenha sido a leitura perdida pelo lado mais significativo, a linguagem que não encontra espaço, este é um problema interno da ordem do esquecimento: o texto morrerá na última linha.
Pouco importa. Existe um confessional, uma reza pagã à transcriação, ao entrar na linguagem e não sair ileso de sua força. O que vem como força destruidora e impulsiona à transformação do ler e escrever é o que está próximo e distante. Paradoxos. Um tipo de revolta da vida sobre todas as coisas. O interno do Eu. O que se manifesta é dentre todas as certezas, não sair ileso.
O jogo das verdades absolutas com a dúvida é a única possibilidade de chegar ao texto sem a carga do irracionalismo acometido pelo esgotamento do pensamento moderno. Produção de sentidos. Ser convicto da verdade é o que leva à morte, mais cedo ou mais tarde, a outra via irracional contra o legado racional. O modo mais fácil é encontrar a redenção nas coisas que se assenta aos olhos ávidos por uma certeza. Vale para o dois lados.
Atualmente uma certeza, eliminar o Outro, o estrangeiro do pensamento nos localismos no cotidiano simplificador.  
Nunca sei se penso porque quero compreender ou penso porque quero a distinção deste pensamento.
Ir a três fontes desta reflexão: Alteridade – Diversidade – Diferença
Da alteridade à diferença, o tempo que vivemos é o mesmo que torna igual a si mesmo, a reflexão do mesmo, o que rechaça vem do interior. A estranheza que vem de fora. A alteridade é sufocada por seu ponto finito alcançado na diferença. É como pensar que a noite é “o outro do dia”, diria Jean Baudrillard.
Na diversidade é que repousa a possibilidade pensamento em ver no Outro não sua mesma resposta, não existe o pensar único na Alteridade, a menos que a negatividade seja substituída pelo excesso de forças pró-ativas em nome de uma diferença esvaziada pelo positivo das coisas.
O que Heidegger via no igual, o contraponto do Ser ao mesmo.
O mesmo na diversidade, em jogos em que a língua afiada permanece no ponto de partida além do binário pensar.
Se a diferença é o tornar-se estranho, a propriedade do Ser estará na mão de mãos de um único. Ainda bem que isso é especulação de um ensaio sem saída. O excesso dele mesmo, o não fragmento, mas na unidade expansiva, na mesmice do rechaçar por ser tão somente já por demais a mesma coisa, se escapa para a diferença, o elo entre o Consumo e o ser Consumido em si.
A ontologia prescinde tudo, mas não o todo, o mesmo dilema filosófico é que talvez escape aos olhos e aos pensantes atentos.

sábado, 13 de abril de 2019

Exilados

                                    William-Adolphe Bouguereau


“E ele esperava agora conduzir o cortejo de sua vida, como a locomotiva lidera o trem [...]”Paul Bowes (Que venha a tempestade)




Nem toda dor e solidão frequenta os sábados, nem toda noite é tolerante aos que vagueiam, é o lúgubre andar passante que mira o fim do dia que espanta o mal, se esconde da escuridão no noturno café dos exilados.

Conviver com o sonho dos que não dormem cedo, dos que não encostam a cabeça no colo da noite é privilégio dos solitários.

A Soturna passeia, ela dorme até mais tarde, permanece até depois do primeiro raio de sol escorrer o corpo estirado em um lugar qualquer do tempo.  

A noite é mais perto da vida que da morte, então, vamos pensar no que fazer da vida enquanto temos sonhos com a Soturna.

Nunca esquecer a dor na escuridão de sonhos violados.
A vida é feita de fortuna passageira, de eternidade enganadora, é como a promessa das religiões, elas nunca sabem aproveitar os sábados de todos os gêneros, de todas as fomes, de todos os desejos. Soturna sabe disso.

Não existe fantasma nos sábados, existem espectros humanos perdidos. A capacidade de voar nas asas de ceras, de poder atravessar a escuridão da vida, nos sábados de todas as etnias é saber viver entre humanos. Soturna esconde seus segredos.

sábado, 6 de abril de 2019

O tempo das águas

     Rio Ibirapuitã



“[...] em virar a cabeça para ver as trilhas que foram percorridas; é um produto da reflexidade.”
Paul Veyne

Como já dizia o pensamento:
O dia nublado fecha os olhos dos que não sonham.
O dia abre a mente dos sonhadores.

Entregue ao tempo a recusa do medo atroz,
e o desejo desfaz a solidão do medo arrebatador.
O dizer nas águas que bate forte, o sopro do dia,
o vento que destrói a longa jornada do tempo.

Depois de tudo, o corpo em frente ao rio sem fim,
tal qual guerreiro no despertar da vida, mesmo sabendo da morte, enfrenta a escuridão do ódio contra o que se refugia no pátio abandonado dos tempos sombrios.

O corpo se mantém lá. Parado. O pensamento a voar, dor e o frio tocam a música da infância abandonada no rio de águas pesadas.
O corpo retesado, na vertical da vida, os braços em movimentos, frágeis e decididos.
A dor é o devaneio que toma conta de todos esses anos que aos poucos desfalecerá na idade.

Logo o pensar: eleva tudo e todo pensamento à deriva.
O corpo é uma legião de ideias,
Os caminhos do rio na infância são difíceis,
Cruzar a ponte, engolfado, levado pela correnteza.

Viver todas as idades a partir da viagem primeira.
Abaixo das águas quentes jogadas da usina,
Lá está o menino salvo.
Uma grande façanha, sua primeira aventura.
Atravessou de margem à margem em braceadas de uma vida.


Passagens

        Brassaï - Pont Neuf, Paris (1949)     “ As ruas são a morado do coletivo.” Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cru...