quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Notas sobre Maracatu da Vitória aos Olhares do António Sobre o Deserto

Foto sobre pintura de Iman Maleki


















Vitória:
Meu amor, estou aqui enlouquecida pesquisando coisas sobre o Maracatu. Você não imagina como isso me deixa feliz. Fui ontem no Odomodê e depois do samba rolou o Maracatu Truvão. Sei que está ouvindo Leonard Cohen agora. Sinto no ar. Mesmo distante sei o que gosta, assim como gosta de me ver, ouvir meu gozo. Nossas bocas coladas, onde não há espaço para o soluço, muito menos lembrarmos que não somos um só. Sei que me sonha, que me vê deste lugar. Imagina eu trepando e que isso te causa dor e prazer. Sei que você no deserto te esqueceu da gente. Goliardo sente a tua falta. Sempre lati quando alguém se aproxima com passos desconexos no corredor. Imagina, lá vem António com sua sacola de livros e vinhos e nem um osso. Sei que sabe que eu já era fã do Maracatu, antes mesmo de te conhecer mas depois de ontem à noite, nem percebe, porque está longe, que eu alucinei.
Eu me contagio por tambores, cuícas, pés descalços gente suada. Me conta antes de eu sair para o trabalho, como anda a vida neste fim de mundo?
António:
Eu aqui pensando em nada. Sobre nada e o jogo da vida. Esperava o quê? No nada do deserto dizem que encontramos o vazio do tudo e você colocando em prática toda pesquisa em manifestações tribais, lúdicas etc.
Vitória:
Acho que sou visceral. Sou poeta e transito entre a melancolia e a euforia. Será que é bipolaridade? O teatro me causou isso depois de um certo tempo.
António:
Acho que pode ser. Se isso não te atrapalha, é uma bipolaridade da idade em fase de fim de história, de tempo com o teu ideólogo. Não quero ser culpado por te tirar do país que se sonha com a Revolução. Faz um favor, não maltrate o Goliardo, ele é sábio e sabe que você é a dona dele mesmo não acreditando em nada do que esse merda pensa sobre o Real. Eu só entrei em tua vida por causa do livro que brigamos para comprar na livraria Cultura. Não tinha culpa que era o último exemplar. E nem era para mim. Um presente de última hora.
Vitória:
Vou ter que lamber Lítio. O que tem a minha idade? Ah tá, porque tenho um amigo que fica folgando na minha idade, já perguntei se ele tem problemas com Balzac e ele disse que o problema dele são as balzaquianas.
António:
foi um exercício da linguagem..”laridade” “idade”, “saciedade” de tempo na vida, de vida sem tempo e tudo que temos que ouvir antes mesmo de dar o chute na bunda do infeliz que diz essas bobagens. Bem, é você que escolhe os sambas e empregos e maracatus e cults e filmes para trabalhar e não eu mais. Ah, quantos anos tem esse amigo?

8 comentários:

Anônimo disse...

Esta noite sonhei contigo. Transitava entre meu sono e o teu. Queria sentir o gosto da tua respiração e acabei imundando teu corpo de suor, sem deixar cair uma só gota. Então libertei um suspiro que atravessou teu sono e nos despertou para a vida real.Rodava eu ao som de maracatus, escrevias tu teorias libidinosas sobre o ser, os seres e o nada. Prenchi teu vazio, me vi despida de roupas e culpas, e novamente caímos em sono profundo com o corpo exausto e a mente liberta.

Maquinaria de Linguagem disse...

Essa Vitória pode ser personagem de qualquer António, até do António Lobo Antunes. Poderia enviar alguns textos que eu terei a maior satisfação de publicar no Maquinaria de Linguagem.

luz. disse...

Faço parte do Truvão e estava lá neste final de semana. Espero que tenha gostado. Temos canias de ocmunicação, como blog e perfil e comunidade no Orkut. Qq coisa, maracatutruvao@gmail.com. Sejam felizes no amor de vocês!

Abraço,

Lucas Luz

Maquinaria de Linguagem disse...

Lucas, nosso amor a gente cria desde Charles Baudelaire à música do silêncio. Infelizmente a Vitória é framentos de mulheres na vida deste personagem. Não creio que alguém consiga compreender todos os sons do amor na mesma sinfonia anárquica do meu personagem. Meu personagem não é condescendente com as almas caridosas dos amantes. Ele vive inventando amores.

Ju disse...

fragmentos de personagens que vivem inventando amores... eles vivem bem dentro de ti, vc só dá a passagem para essa existência. forte e intensa. como maracatu.TU!
beijos.

Ju disse...

eu nunca sei se "a poesia viver em mim" é um elogio... porque às vezes ela sufoca, chega a doer o peito! beijo, estava com saudadee das suas visitas no tudoazulzim, vc era o leitor mais presente!
:]

Maquinaria de Linguagem disse...

Ju sumi tanto do seu como do meu nos mês que passei fora. Ainda não sei por que me ausentei deles. Lia-os mas nada escrevia. As imagens foram fortes demais em mim...como se eu tivesse um mês com os dedos congelados para o teclado, mesmo assim escrevia coisas acadêmicas. A poesia vive em ti pelo simples motivo que ela te impulsiona à vida. Beijos de saudades.

Anne Petit disse...

Vitória...
Esse nome me fascina, assim como as coisas que li no Maquinaria, e assim como as coisas que sinto quando visto a minha personagem Vitória, a que dá vida aos meus contos. E há tantas Vitórias....a dos maracatus, a das bossas, a das ruas... Há tantas mulheres e tantas almas vestindo este nome forte e guerreiro.
Adoro passar por aqui.
Boa noite!
Bjs, Ane

Passagens

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