quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Perdido





“como um automóvel de luxo que atropelou um asno.”
Benjamin Péret

Eu tinha os discos dele, os filmes do Jim Jarmusch, a voz rouca da noite, eu tinha a idade dos homens que perdiam a voz de tanto gritar, a bebedeira dos esquecidos, a ilusão dos enganados, das noites dos sucumbidos. Tinha tudo dele, a morte na alma, o coração apaixonado. A flor do lado mais escuro dos olhos, a verdade esfacelada, eu tinha fome de vida. Eu tinha tanto sorte, morria e renascia em todas as paixões, em todas tentativas de enriquecer bebendo com amigos e ir dormir com a solidão. Eu tinha tanta carência, acordar no meio da noite e a achar que já era hora de ir dormir o sono eterno do Nada. Eu tinha tanta gana, queria arrancar o ódio dos donos do poder e só me contentava com a morte inevitável deles. Eu era imortal. Eu tinha tanta dor no corpo que minhas lágrimas já nasciam e secavam nos lábios de minha namorada. Eu tinha tanta esperança. Largava tudo em nome de minha vida. A liberdade é amiga dos que têm mais coisas para pensar, e hoje, o lamento é uma música do silêncio, a fome é dos não derrotados, é o poder do medo e da vontade de continuar no tempo sem medo de rir da morte e da vida.

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