“como um
automóvel de luxo que atropelou um asno.”
Benjamin
Péret
Eu
tinha os discos dele, os filmes do Jim Jarmusch, a voz rouca da noite, eu tinha
a idade dos homens que perdiam a voz de tanto gritar, a bebedeira dos
esquecidos, a ilusão dos enganados, das noites dos sucumbidos. Tinha tudo dele,
a morte na alma, o coração apaixonado. A flor do lado mais escuro dos olhos, a verdade
esfacelada, eu tinha fome de vida. Eu tinha tanto sorte, morria e renascia em
todas as paixões, em todas tentativas de enriquecer bebendo com amigos e ir
dormir com a solidão. Eu tinha tanta carência, acordar no meio da noite e a
achar que já era hora de ir dormir o sono eterno do Nada. Eu tinha tanta gana,
queria arrancar o ódio dos donos do poder e só me contentava com a morte
inevitável deles. Eu era imortal. Eu tinha tanta dor no corpo que minhas
lágrimas já nasciam e secavam nos lábios de minha namorada. Eu tinha tanta
esperança. Largava tudo em nome de minha vida. A liberdade é amiga dos que têm
mais coisas para pensar, e hoje, o lamento é uma música do silêncio, a fome é
dos não derrotados, é o poder do medo e da vontade de continuar no tempo sem
medo de rir da morte e da vida.
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