“Mas quanto mais me
tornava transparente e leve, mais meus despojos cinzentos ganhavam consistência
para seus sentidos fatigados.”
Pierre Klossowski
Imagino meu corpo além do meu corpo. Além, um pouco
mais distante do que hoje sou. Bem antes, quando bem pequenino ao lado de minha
mamãe. Bem ao lado, sentadinho em um banquinho, enquanto ela cuidava de minha
avó enferma. Estava ali, ainda sem a consciência real das coisas, nada a perder,
e o lado humano de estar à deriva da lógica da vida. A vida dos homens não
existia. A inocência e a vida, brincava com o Nada: suprema maneira de ser
apreendida pelo pequeno Ser. Uma alegoria do impossível, desde que, hoje, já não
sei o que estava a viver. Construí esse mundo, através do imaginário de minha
mãe, pude ir além do que hoje posso compreender.
Falava sozinho, como um humano que ainda está a ver o
mundo, o poente é mais distante hoje. Minha mãe cuidava de sua mãe, olhava-me
com lágrimas de dor e felicidade.
Essa é uma imagem que não lembro por mim mesmo, é a
recordação de relato que minha mãe volta sempre a me contar. Já narrou inúmeras
vezes, não importa, estou sempre pronto para ouvi-la novamente. Todos os
ângulos, a vida é sempre a mesma, o amor está dentro e fora dessa narrativa. O
amor é infinito, a dor morre logo ali [...] outras narrativas.