“Ela se desintegra e se dispersa numa espécie de fuga. Quanto mais elevada for a categoria da vítima, maior é o seu medo.” Elias Canetti − Massas de perseguição
Todo ano, quando se chega ao fim dele, uma
massa, que pode até ser unida nas diferenças, se junta para trucidá-lo. Este ano,
em especial, foi disparado o mais infeliz do século XXI para uma maioria
significativa. A outra parte gostou do que vivenciou. Para uma terceira
infinitesimal parte, mais um ano indiferente. Sempre é assim quando damos cabo
ao que se iniciou um tempo atrás, depois de muito ser percorrido; maltratado
pela massa, pela sabedoria do presente, o ano se torna vilão no tempo que se
esgota.
Os agrilhoados ao tempo que colou no ano
que perdeu a força renovadora, esses, querem fugir, dar um basta ao tempo que
não foi tão condescendente, por isso fazem suas orações no dia do juízo final.
Uns rezam de forma ordeira, pensam no deus coletivo de um credo, outros, mais
descolados, oram de forma singular, é no prazer e na dor que se dá um fim
definitivo ao ano desgastado. Existem outras categorias que podiam fazer parte
desta reflexão, mas prefiro me deter no conceito de uma só massa, a que na fuga
vai passando por cima de tudo. Unida no atropelamento coletivo, a massa vai
fazendo um estrago e acha que só está extravasando seu ódio daquilo que tanto
mal lhe fez: o ano de 2016 chega ao fim.
Lembro que o ano não foi dos melhores, olho
por dentro da lente subjetiva, sinto que não sentirei tanta falta daquilo que
não me serve mais, aí me dou conta que estou junto à massa. Fico estarrecido
com minha falta de capacidade de assimilar as frustrações, de querer só as
vitórias, bem que podia ter sido mais humano nesta hora. Creio que só um retiro
sabático para tirar-me do fundo do poço onde todos acabam ficando.
É impressionante como o sentido de
destruição é compartilhado, como os sentimentos de mitificação e autopunição são
compartilhados, e tudo para dar um fim a uma parte do tempo que se esgota.
Somos tão irresponsáveis que nem o deus dos crentes nem um sentimento de união
nos salvará da virada. Vamos pular o mar de ondas direto para 2017. O golpe não
nos salvou, Brexit nenhum nos unirá, o ódio branco não será suficiente à união
dos globalizados, dos nacionalistas, dos reformistas, nada disso será
suficiente para dar garantia de um ano melhor. Definitivamente, preciso de um
ano sabático em outro planeta.
Imagem: Valência
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