“Tenho que acreditar em algo? Talvez possa responder à
sua pergunta. Acredito numa coisa: as pessoas boas existem, sempre existiram e
sempre existirão. E sei quem são as boas pessoas.”
Agnes Heller[1]
Hoje
acordei na duplicidade dos humanos, se sou feliz ou se filho do Nada. Ontem
pensei exatamente o oposto de tudo isso, eu era o sonho que fazia das cabeças o
que bem entendia. Acordar logo após um sonho terrível, em que moro em lugar
muito distante, em que vou atravessar uma grande avenida, um círculo, em que
parece que nunca chego a outra parte, como se todos os terrestres, carros,
animais humanos me assustassem mais do que a natureza. Não digo o fogo, tenho
medo de esquentar a alma maldita de anarquista do pensamento. Digo do medo
mesmo de me defrontar com todos. Gosto de acordar, estar perdido no mar, na
imensidão de um rio, de um grande lago, eu dando braceadas ao fim do mundo, ao
encontro de minhas ideias. Logo ali, logo aqui, depois do corpo se molhar,
depois da dor, a doença deixa em paz a alma. Os braços se tornando mais e mais
fortes.
Então,
aturdido, logo após acordar de um pesadelo em que uma grande avenida me
assustava de uma profundeza indefinida, desolado de ver todos numa soteriologia
que não acaba mais, acreditando em tudo, menos em si mesmos. Fiquei morto antes
de sair de casa. Aí pensei, vou para o lago nadar, esquecer que a razão um dia
nos traiu profundamente, que nos impôs a verdade mais absoluta da humanidade,
ou seja, excluir o diferente.
Acordei
como faço todos os dias, li uma mensagem, a morte está nos nadadores também,
nos nonagenários que viveram da sobrevivência do mal, do egoísmo, dos valores,
das apostas, dos jogos que ganham dos que vivem na
miséria, das mentiras que se tornam verdades, das verdades que se tornaram
dogmas. O cotidiano não morre, assim como a história é um santo remédio aos
cristãos e aos que não acreditam em nada disso. Amanhã morro mais um pouco ao
acordar, renasço nas águas do lago Balaton.
[1] Agnes
Heller morreu alguns dias atrás, aos 90 anos. Segundo o site
"444.hu", ela teria se afogado
nas águas do Lago Balaton, situado a cerca de 100 quilômetros de Budapeste, em
uma praia na cidade de Balatinalmádi.