segunda-feira, 6 de maio de 2019

Sobrevivente


     By Igor Morski

“... Ouves chover
e achas que também agora
seria Deus.”
Paul Celan

Abre os braços, não espere um abraço, fuja logo deste lugar, aqui está tudo parecido com morte anunciada. A terra está tomada pela especulação financeira e de ideias alienígenas da ignorância pós-cérebro humano.
Não olhe para os lados, do lado direito só tem braços venenosos, do outro lado, os braços foram cortados, não irá querer ver o lado mais mutilado da vida. Um corpo já é todo em pedaços, então me diga, de que serviria te alimentar com o sangue dos mutilados?
Fuja antes de virar um deles, tua língua já sangra, teus dedos nem mais conseguem segurar um cigarro, a garrafa de água é tua salvação. Trêmulo, derrubas na terra o que existe de vida e o resto deste planeta é uma ameaça a tua iluminação. Fuja logo, o rio é logo ali.
Sei que tem fôlego para chegar até o porto, lá pegar uma embarcação, subir céu acima. Fuja para o lado mais verde da vida. Se tens braços rígidos, tente salvar o que pode dos mutilados. Digo mais uma vez, vá embora deste lugar, deste beco plano. Siga a nave, não volte mais. O veneno parece ser para todo o fim.

sábado, 4 de maio de 2019

Henry Miller em minha vida

     Henry Miller e Anaïs Nin

“O resto é falsificação. O resto é humano. O resto pertence à vida e à ausência de vida.”
Henry Miller





Esse é talvez o escritor que mais me faz pensar quando estou lendo outro livro, volto a pensar em Henry Miller quase todas às vezes que algo me reporta a outro lugar. Nunca tive nele de verdade, e minha leitura de paixão, a que mais me aproximou de alguns lugares vieram talvez de gente como Miller.  Quase nunca entreguei meu pensar ao marasmo daquele tempo quase pós-ditadura no país. Sempre estou a pensar em um tipo de Miller em vida.   
Está faltando Miller nesta literatura chamada Brasil, em todos os seus livros, os trópicos os sexus, nexus e todos os plexus, tudo sem nada ser obsceno é pura literatura errante. Autobiografia na veia. Como disse o Otto Maria Carpeaux que em Paris foi sua liberdade, todo o período vivido lá pagou "... o preço da pobreza, miséria e humilhações. Sua ambição foi a de dizer aquilo que os livros dos outros omitem."
Trópico de Câncer e o de Capricórnio me tiraram do lugar que eu vivia para nunca mais poder voltar a mesma condição. Fiquei sem lar desde aquela época. Tempos de cursinho e faculdade, o muro da PUCRS, as velhas discussões bem ao lado do quartel, e ali, todos unidos, falavam ao mesmo tempo sem parar, teses e teses mais estapafúrdias, uns viajando, outros todos sonhando. O contrário das desilusões, éramos poucos e muitos ao mesmo tempo capazes de inventar o tempo. Nunca me faltou fôlego, depois na UFRGS na Filosofia, lá tinha todas as tribos, mas entre professores, uns quase todos na maioria já conservadores. Faz parte da vida. O tempo nos ensina duas coisas, ou nós mudamos ou a vida nos mostra que não é preciso se entregar jamais. Esse era um mantra, jamais esqueci. Optei por ser um híbrido entre o céu e a terra. Um para cada lado. Tudo se fragmentou e agora procuramos juntar tudo novamente. A leitura é um bom começo aos esquecidos dos tempos de rebeldia. Meus irmãos permaneceram no coração.
“Era como se o planeta estivesse doente ou condenado. Um monde maudit. Não era de admirar que os brilhantes fossem os poetas, os loucos, como Blake e Rimbaud. Não era de admirar que tudo estivesse de pernas para o ar.” Henry Miller


Passagens

        Brassaï - Pont Neuf, Paris (1949)     “ As ruas são a morado do coletivo.” Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cru...