terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Sonhadores

     Rio Douro - by Dordio Gomes (1890-1976).


“Como se pudéssemos erguer um só alento
ante o término do alento.”
Paul Auster (poema No fim do Verão)

Gosto de brincar com as palavras, como se meu pensamento voasse da terra ao mais distante lugar, que nem o sentimento mais fraco alcançaria, pensar frágil na força do voar, como se lá pudesse penetrar palavras singrando o voo entre água e céu, um veleiro a sair da profundeza das águas escuras, aos poucos muda a cor, o límpido do pensar, a água se misturar com o olhar que sobe na distância a perder de vista. Como se juntasse o mar com o céu, o veleiro de um lado ao outro, serpenteando o tom de cores e textos, que ao subir sem jamais retornar à terra. No fundo o dia se pondo, o vermelho do sol, como o mar a transmutar no deserto ardente, na trajetória das fugas, no inventar dos lugares, existirá um pensamento eclíptico em consonância dos dias com o corpo. O fogo no coração, os olhos líquidos rumo ao escuro das águas. A noite alcança o corpo que descansa à deriva.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Livros Nadam

     Henri Matisse



“Não beberemos lá da água da vida.
Não ficaremos curados.
Não veremos sinais.
Lá simplesmente teremos sido.”
Peter Handke


Um livro tem que ter textura,
folhas que cativam, páginas a iludir,
tempo de esquecer e lembrar.

O livro é o descanso da vida,
a evocação do desconhecido,
fonte suficiente para as ideias.

Espaço da linguagem e da dança,
as letras deslizando no pensar:
o livro é o mundo, um novo alimento ao Ser.

De todo o sentimento, o sentir é o caminho ao nada:
estar sob o domínio da palavra, a cobertura da vida,
um bolo cheio de ideias para se comer.

Da escrita nasce o poema, a dor morre junto,
no haver, a língua, a dobra do querer,
o fim do livro é o convite para o não esquecer.

A memória está salva, a nossa língua aprende nos livros,
na linguagem que desfaz a solidão,
o translucidar do conteúdo em forma.

Tudo é claro e oculto,
o tempo se fixa no ilimitado,
tem de existir, depois poder morrer nas páginas.

Existir sem o seu criador,
depois saber Ser,
Nadar nas águas do desconhecido.

(Post scriptum: Só escrevo o que sinto. O Nada edificante, o poético lava a alma, ao nadar estou vivo, ao ler estou mergulhado.)

Passagens

        Brassaï - Pont Neuf, Paris (1949)     “ As ruas são a morado do coletivo.” Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cru...