terça-feira, 27 de novembro de 2018

Movimento(s) de Leitor

    Claude Monet -Soleil levant


“A arte só está próxima do absoluto no passado, e é apenas no Museu que ela ainda tem valor e poder.”
Maurice Blanchot

Meu grupo é tão seleto que não existe, vivo no limbo da desatenção, permaneço só. A multidão amordaça, é calada, dizimada que nem cauda da serpente explodindo por balas perdidas. Vejo no espelho o movimento do corpo, a luz difusa, a névoa de um domingo quase sol meio cinza. Corro louco, feito refugiado, do meu próprio país para ver o mar. Não olho para trás nunca mais é forte demais. Fuga dos sonhadores, minha alma dentro do casaco cinza que atravessa o frio sem se entregar. Depois, nado fundo para não mais voltar. Jamais. Sigo em braçadas até o fim do livro. Leitura voraz, audição do silêncio. A mesma cena que passa aos olhos é um filme autoral, a mesma cruz um sonho insistente de causar questionamentos. Ouço o tilintar do pensamento, notas dissonantes, ritmo das pernas, braços em sincronia ao bater na água. O presente é apenas um arremedo do passado aos que não resistiram às tempestades. Demarco uma linha imaginária na tela, traço fugas, planejo novos roteiros em novas cartografias do coração. Enfim, terminei a leitura e o céu abriu o clarão das ideias.

domingo, 25 de novembro de 2018

Quase Dezembro

     Barcelona - música de rua




Poeta, poética, zuar à luz meu céu,
Através do canto entoo a cor da boca,
Que penetra o corpo, se volta para a alma,
Reluz no desejo pagão, no ensejo de voo sem asas.

Ótica da vida, luas luz meu sol,
A vida é cheia, logo ali um diz, que gordura,
Outro diz, que velhice, outra diz que pele,
que resseca com a dor de tanto dizeres.

Narrativa, falatório no vácuo da solidão,
Contrariado, ouve o silêncio dos que falam,
Todos ao mesmo tempo narram sem se ler,
São felizes e riam de suas narrativas vazias.

Tempo, memória do resgate, coração em alerta,
Nem toda história consegue ver o fundo dos olhos,
Não esquecer é lembrar, viver é permanecer atento,
O irrealizado é um detalhe do não retornar ao passado.

domingo, 4 de novembro de 2018

Observador da sacada





     Aigues-Mortes - France




“Adorava poder mostrar-lhe o filme, mas, por outro lado, sei que tem outras coisas na cabeça.”
(Win Wenders sobre o Papa Francisco)

Ainda procura ver os rostos, nada pessoal, ele ainda busca enxergar todos em sua individuação, a captura do anonimato é a imagem oca, ele busca ver os olhos dos anônimos.
As imagens confundem o centro, rasga os lados, alarga os braços, entorna o vinho sobre o mundo,
Ele procura os olhos, ausculta o som do mundo,
Ele vigia os sentidos, vê a face do desconhecido, os olhos na multidão é como o tempo que não tem dimensão única, interminável aos olhos a imagem-tempo.
Ele ainda vê tudo como observador privilegiado, o mundo não muda, mãos que matam mudam.
Ele busca o movimento da humanidade, a contínua ida ao desconhecido do Ser, procura o olhar que retorna em sua finitude.
Ele é o observador do que se esgota, do tempo que permanece movente, percebe o transmutar e o que permanece intacto.
O movimento é como a música no filme, um travelling que no silêncio faz a imagem ser os olhos dele,
Ele permanece a olhar o tempo dos olhos esquecidos, dos que creem e os que vivem a pensar nas possibilidades de vida.
Os olhos dele é o signo, que na cena entranha o desconhecido, a imagem-movimento que se dispersa na multidão no momento certo em que o silêncio solapa em meio aos olhos presos na linha do tempo que desfia a ilusão da permanência.

Passagens

        Brassaï - Pont Neuf, Paris (1949)     “ As ruas são a morado do coletivo.” Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cru...