sábado, 15 de setembro de 2018

Levitação-Imagem

    (Roma - do olhar imagem levitação)



“Iluminei a escuridão de minha invisibilidade – e vice-versa.”
Ralph Ellison

A imagem eu não inventei, as cores eu não as criei, a técnica já existia antes de eu criar o método de levitar para fotografar, o método alpinista de captar imagens, detalhes que só conseguimos ver de uma grande lente, movie, de movimento, tomadas aéreas.
A levitação-imagem é aquela em que busco fisgar naquilo que o olho sonha ver. Só ele, o olho naquele ângulo, a partir de uma música ao fundo (inaudível até hoje quando volto a sonhar), em um estilo que pode arrebatar até o mais cético em relação à existência de coisas sobrenaturais. É mesmo, sobrenatural, eu levito (mas isso tem uma altura, no máximo 15 metros), isso causou espanto na primeira vez quando subi até a torre de um velho prédio público, e com minha lente diminuta de um celular, fui de um lado ao outro, cercando a torre, discorrendo meu pensamento, o olhar que se afinava na captação das imagens possíveis e as que já não existiam mais. O tempo se estendia, eu conseguia compor as imagens do mesmo prédio em diferentes épocas. Eu, um ser levitando, invisível aos olhos do mundo. Sem cansar, fiquei lá em cima, creio que altura era de 10 metros, depois desci sem que ninguém percebesse minha presença. Um invisível entre os passantes. Misturei minha pele na dos outros, voltei à terra e saí caminhando entre os transeuntes.
Não contei a ninguém, guardei esse segredo da “imagem levitação”, nome que escolhi para esse método que nasceu do pensamento, do lado mais obscuro da alma de um homem qualquer, de repente se torna o voo do olho, o corpo que vê.
Fui logo aos livros, nada especial, não tentar entender o fenômeno, mas compreender de onde eu tirei que poderia levitar. Essas coisas estranhas já aconteceram comigo, como aquela de eu me encontrar em uma loja de piano e pedir para entrar e ver o piano, e logo que sentei na banqueta em frente ao piano comecei tocar Chopin. Depois algumas peças de Mozart, nada excepcional, atônito fiquei, isso durou uns 3 anos, lá eu ia uma vez por semana - em meu sonho - na loja. Já era um velho conhecido do vendedor, era a atração invisível, tinha palmas do vendedor e dos fantasmas. Passou. Agora, quase 2019, me encontro a levitar em imagens e pensamentos, do alto faço a cartografia da vida que vive lá embaixo.  

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Perdido





“como um automóvel de luxo que atropelou um asno.”
Benjamin Péret

Eu tinha os discos dele, os filmes do Jim Jarmusch, a voz rouca da noite, eu tinha a idade dos homens que perdiam a voz de tanto gritar, a bebedeira dos esquecidos, a ilusão dos enganados, das noites dos sucumbidos. Tinha tudo dele, a morte na alma, o coração apaixonado. A flor do lado mais escuro dos olhos, a verdade esfacelada, eu tinha fome de vida. Eu tinha tanto sorte, morria e renascia em todas as paixões, em todas tentativas de enriquecer bebendo com amigos e ir dormir com a solidão. Eu tinha tanta carência, acordar no meio da noite e a achar que já era hora de ir dormir o sono eterno do Nada. Eu tinha tanta gana, queria arrancar o ódio dos donos do poder e só me contentava com a morte inevitável deles. Eu era imortal. Eu tinha tanta dor no corpo que minhas lágrimas já nasciam e secavam nos lábios de minha namorada. Eu tinha tanta esperança. Largava tudo em nome de minha vida. A liberdade é amiga dos que têm mais coisas para pensar, e hoje, o lamento é uma música do silêncio, a fome é dos não derrotados, é o poder do medo e da vontade de continuar no tempo sem medo de rir da morte e da vida.

Passagens

        Brassaï - Pont Neuf, Paris (1949)     “ As ruas são a morado do coletivo.” Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cru...