segunda-feira, 30 de abril de 2018

Cartógrafo





Eu te olho através das lentes bêbadas da Solidão.
Amor se come com os pés,
Livro se lê com a fome.
As mãos carregam o resto de nossas vidas.
Toneladas de ideias, rugas identificam,
a solidão cartografa o amor.

sábado, 28 de abril de 2018

Nadantes

                                       Rio Douro 

“Universal como a violência e a morte, a dor nos iguala.”
Michel Serres

Milhões de pessoas em suas vidas, em casas, sós ou  acompanhadas, partidas, inteiras, felizes, tristes, por meio e metade de um tudo, e todos estão algures – lugar próximo deste mundo. Eu aqui, inteiro, em pedaços, parte do todo, nau perdida em sonhos, esperto para o amanhã. Fuga necessária para o outro lado do rio, braços e pernas aquecidos para entrar a nado e nado até o lado seguro da vida. Depois, então a me secar ao vento, de outro lugar, sem luzes difusas de restos e sobras do passado, feito no tempo que mete medo aos passantes. Passado e presente, entre roupas e dores alimentadas de promessas do outro lado de lá, do tempo que ficou marcado como se fosse dor de dente. Esquecido de tudo, estar prestes e se atirar nas águas que podem levá-lo longe, bem longe das verdades em compotas. A vida − depois de tudo − é um corpo que some a distância da ira dos que estão do lado de lá. No canto da boca existe um rio, a fuga, palavras, o que voa é o que fica no espaço entre o fim do olhar e o horizonte do pensamento.

segunda-feira, 9 de abril de 2018

O Lado do Rosto

      Claude Cahun - 1928


“O inelutável não tem a inumanidade do fatal, mas a seriedade severa da bondade.”
Emannuel Levinas

Dentro de mim mora um Eu, um desconhecido fragmento do Outro lado do Ser. Se isso não bastasse, dentro de mim a energia que existe é que move meu pensar, não a energia que faz com que eu tenha todo conhecimento, pois ela não existe dentro do mundo, ou melhor, fora de mim. Um exemplo prático do cotidiano ilustra este exercício: dois dias atrás, em atividade, andei dizendo breves palavras ao público, o evento exigia esse ato de falar, meu discurso era simples, apresentar aos presentes o trabalho que realizei e que ajudei a acontecer, desfiz-me de toda carga do dia a dia e expus aos outros o trabalho de forma a apresentar o lado autoral aos seus leitores.
Bem, a partir dali, fechei um ponto que estava dentro, lá guardado do Eu, melhor, do que imagino ser parte dele, mas que só se torna realizável no acontecimento.
Mais tarde voltei ao meu Eu material, a redenção do corpo, o guardião do rosto, de cara viajei ao texto, a Emmanuel Levinas, onde o rosto corta o sensível e desnuda o lado adormecido da razão. Bati na minha própria porta do Ser, passei por cima das nuances filosóficas, sentei, peguei dois livros que estão surrados, mas pelo tempo de convívio comigo, entrei mundo adentro da questão mais difícil de ser conclusiva, pois dela, o que dela se faz existir está para além do Eu, está do lado de fora, a Ética.
Quando terminava algo, no passado, sentia, logo depois, o vazio a se instalar no corpo, como as pessoas se sentem quando acaba um grande evento, quando termina toda a energia naquilo que une e inevitavelmente irá mais adiante ter o fechamento.

Aprendi muito com o fim de tudo, aprendi mais com a solidão noturna, pois ali, depois de uma leitura, de um vinho, um café, um filme, talvez, o descanso para acordar antes mesmo do meu Eu. O corpo está neste imediato contato com a realidade, o Rosto, o de Levinas, está presente no meu cotidiano. Bem, daí vêm os afazeres para acordar o resto, cada um com seu mantra, diria outra pessoa. É e não é, porque para pensar “é preciso estar atento e forte” e enfrentar a única responsabilidade suprema que existe ao que está dentro, ir para o lado de fora com suas armas, desprovido do medo, ir à luta.




Passagens

        Brassaï - Pont Neuf, Paris (1949)     “ As ruas são a morado do coletivo.” Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cru...