Robert Doisneau
“Quer
dizer, no momento em que adentramos o espaço da memória, entramos no mundo.”*
Paul
Auster
Gosto de ler os filósofos cristãos,
principalmente os dos séculos XIX e alguns do XX. Assim, ao lê-los aprendo mais
do que muita ironia vã da ignorância religiosa e fanática sobre Deus. Sou de
fato um ser em movimento, mas o que nunca deixou-me impressionar é a latência
reflexiva dos moralistas ao tratar da vida como se ela tivesse uma base sólida
para todas os questionamentos. Escamotear a existência em nome de um ser
superior. De fato, a vida é onde tudo se inicia e tudo se perde no fim. O
acontecimento tem seu apogeu. Os observadores mais atentos, os desavisados e
dispersos, porém atentos, a todos que param um pouco para apenas sentir e
deixar o tempo passar ou ficar parado no ato de pensar. Éttienne
Gilson escreveu:
O
pânico que parece se apoderar dos apologistas sempre preocupados em não perder
o último navio, é algo que lhes é natural, mas não deixa de ser inútil. Não há
último navio. Da popa daquele no qual você embarcar, você verá outros três ou
quatro se preparando para partir.**
Ou seja, prefiro a reflexão inteligente do
que ardor de uma crença, de uma outra ordem de religião. Isso se aprende ao
longo dos tempos. Quantos Tempos existe quando vive em uma só vida? Depende,
não da crença, a meu ver, da capacidade que se tem de encarar a realidade sem
temer que a ordem das coisas não gerida pelo fervor de uma crença, mas por
circunstâncias que envolvem essa vida.
No caso dos exegetas, daqueles que dedicam
sua vida a interpretar, a eles meu profundo respeito, mas nem com todos me sentaria
para conversar, ouvi-los. Porque se tem algo que me deixa numa profunda
dislexia é o tom professoral, é querer dar aula no mais alto grau da tonalidade
e expressão teatral de um professor. Isso me tira do sério, então, prefiro
conversar com os livros. O Éttinne Gilson é meu companheiro por excelência. Com
ele aprendi a ler melhor textos filosóficos, a ouvir e, principalmente, recusar
verdades e tons pseudoeducadores de alguns seres monocórdios. No final da
última página de um Gilson, acredito cada vez menos na luz duradoura de uma
Verdade única.
* A Invenção da Solidão. Paul Auster. Companhia das Letras, 1999.
** O Filósofo e a Teologia. Éttinne Gilson. Paulus, 2012.