“A utopia é o campo do desejo, diante da Política, que
é o campo da necessidade.”Roland Barthes
A irreverência de Nietzsche, em fazer a transvaloração
de todos os valores levou o filósofo a transbordar o século XX com aforismos, e
um estilo de pensar sem as rédeas da cavalaria oficial do pensamento
racionalista.
A idiossincrasia do pensador, dado à polêmicas, foi o
que estigmatizou-o, porém seu estilo é uma nova forma de pensar a realidade.
Atrevidamente sempre atentou contra a moral. No Crepúsculo dos Ídolos, o
pensador ataca:
"Se nós, os imoralistas, causamos dano à virtude? Tanto
quanto os anarquistas o fazem aos príncipes. Só depois que se atira contra eles
é que eles voltam a estar firmemente assentados em seu trono. Moral da
história: é preciso atirar contra a moral."
É preciso passar da lógica cartesiana, aristotélica
para uma nova forma de pensar a cultura.
Michel Maffesoli, herdeiro do pensamento fenomenológico
e da sociologia compreensiva, faz a crítica à modernidade de forma lúcida. Sem
vacilar, num estilo próprio, o sociólogo fará o contorno crítico do pensamento
do século XX. Por que contorno? Maffesoli se vale dá mais autêntica tradição
nietszchiano de escrever no traço de Bataille.
Na linha marginal do pensamento, o sociólogo faz a
crítica do pensamento moderno à crítica de sua valoração teleológica. Aquilo
que Bataille retira de Nietzsche para ver o mundo cristão com sua moral,
Maffesoli o faz na sociologia e na política para desconstruir a projeto
salvador do pensamento moderno.
A unidade e a linearidade são partes de um todo, de um
projeto moderno que compõem o ideário moderno. A nova sociologia, se é que se
pode dizer, é justamente pôr em cheque o postulado da totalização do sujeito em
nome de uma moral teleológica.
O cotidiano é a matéria prima. O estar-junto pressupõe
a polissemia na pluralidade e nas contradições. O que na modernidade juntava,
unia através da razão, na sociedade contemporânea é separado. Depois une-se o orgiástico
no coletivo tribalizado e o estético, filho da cultura de massas, se emancipa
"E o estetismo estigmatizado pode ser justamente uma
sensibilidade teórica, que nos permita apreciar a beleza da desordem aparente,
sua fecundidade também.(...) Ao contrário do moralismo, o estetismo remete a
uma forma de assentimento à vida. Nada do que compõe deve se rejeitar. É um
desafio por aceitar." (No fundo das aparências. p.49)
O espírito dionisíaco permite esse novo
homem sentir a arte. Esse é homem que surgiu nas ruas de Paris com Baudelaire.
Perpassa o século XX com Camus, antes na cartografia dos fenômenos de Benjamin
que decorre nas passagens da cidade, como quem pinta ou capta as imagens de uma
época através dos fenômenos e dos sonhos dos passantes.
Maffesoli é o sociólogo da fenomenologia cotidiana,
sabe como tratar com um dos paradigmas mais caro para à modernidade, a
política. Aqui perfaço a política do corpo como a extensão de todas as sobras
políticas, os restos como residual e clareza na superfície dos comprometimentos
e pequenos lapsos das leituras do mundo.
(Reescritura de texto de 2007 - "De Nietzsche ao presenteísmo fenomenológico")