segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Lígia


“Tudo que pode me acontecer através de um contorno, de um rasgo, é bom para me raptar...”
Roland Barthes


O Teu olhar preso no desejo
O andar pela casa em dedos leves,
presa feito peixe de vidro.

O teu olhar medroso, o afiar dos meus dentes
com a libido morde até alisar,
sobe acima com a força dos quadris
como uma tempestade de verão.

O teu olhar é mais ousado: fareja,
atrai as chuvas, o choro dos homens,
lava as calçadas com sexo,
arrasa as plantações,
como se fosse o olhar de uma única mulher a sofrer no mundo.

O teu olhar machuca nas despedidas,
pernas sobre o corpo, cigarros de ócio,
paixão que aquece os olvidados.
É o sabor de menta...
Culpa de mulher que luta
contra o sono.
MALEDICÊNCIA dos tambores que fogem da morte.
(15 janeiro de 1999)







sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Eu e os outros


      Eu e os pedaços dos olhos, o livro entregue ao som da dor, da luta dos esquecidos, eu e os outros, um terço para se matar, uma reza insana contra deus, eu, outros a me acompanhar, os que seguem sem cerimônia, os que lá cruzam distantes, os errantes de minha inspiração, os que amordaçam são os amores nascedouros.
       Os que nasceram na Argélia, os que morreram em Paris, os que vieram da Fronteira, da terra dos olhos em pedaços, dos livros dos inumanos, do pré-socrático dos pampas, do pós-secular dos olvidados em festa de despedidas. Eu e os outros – os que partiram e jamais encontraram o rumo de casa.


“Fim. Entreguem a terra, a terra que não é de ninguém. Entreguem a terra que não é para ser vendida ou comprada (sim o Cristo nunca desembarcou na Argélia já que até os monges tinha propriedades e concessões ali).” Albert Camus – O Primeiro Homem




segunda-feira, 16 de setembro de 2013

O Ser Sem Representação



Esse futuro nos iludira, mas não importava: amanhã correremos mais depressa, estenderemos mais os braços... E, uma bela manhã...
F. Scoott Fitzgerald
                  

Ícones do corpo, espaço da não representação, o olho furado tem espaço no mundo virtual, ganha a expressão das cores em notas musicais, a tribal eletrônica Björk expande os sentidos dos meus dias, os tambores me levam para longe das máscaras, o Brasil virou uma sinfonia de arrepiar, um sonho fora do lugar... essa é a distância entre o devir e o isolamento absoluto de uma realidade neurotizada pela tentação do conhecimento único. O próprio movimento do que é feito os corpos, os sons e a imagem que vem da unidade do ser e do nada, e como bem disse Heidegger “...a realidade do mundo não pode consistir em um ser”.

Eu olho no horizonte a tua partida a outro país, a tua arte ficou no caos do cotidiano, a inquietação das coisas é que dá ânimo ao sonho à sinfonia da Terra... É como o ciberespaço que não se concretiza, ele é a orgia dos corações que atravessa o tempo, que muda de local em busca do primeiro movimento.

Os amores não morrem na violência do Estado, e nem essa fábula hiper-real do político fundará o outro tipo de violência acobertada da própria derrocada em nome da ordem. Estamos entre os que se iludiram e os que insistem em forjar sonhos. O pensamento é como a música, talvez um dos poucos atos que ainda existem para mover a única coisa que importa na Terra, a Vida.

                                                    As pessoas se reconhecem na probabilidade das diferenças.
Jean-François Lyotard



domingo, 8 de setembro de 2013

Relógio do coração


“O mundo está em minha cabeça. Meu corpo está no mundo.”
Paul Auster
                  

Eu sou da paz, sou da luta, desordem das verdades,
Eu sou do medo que deixou de ter medo.
As bombas, os fogos, os olhos lacrimejam enquanto dormes.
Eu sou de uma luta que quer arrancar o coração,
quer avançar o esquadrão armado, quer amar,
Morrer na hora certa do tempo.
Eu sou um relógio perdido.
Eu sou tua escuta no silêncio das noites, sou teu algoz.
Eu me distancio na textualidade do virtual, o tempo dos olhos no relógio que habito, eu sou o único, sou da paz:
a luta fica para o nosso acordar.
Eu sou o eterno viajante em busca de algum lugar do mundo para me mudar,
Eu sou um inconformado com o teu jeito de quebrar as vidraças.
Não esqueças que a tua sensibilidade é ver melhor o mundo vivido.


                                                       Imagens: Bebeto Alves

Passagens

        Brassaï - Pont Neuf, Paris (1949)     “ As ruas são a morado do coletivo.” Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cru...