sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Ensaio dos Possíveis

            Art by Gleb Goloubetski


“Cada indivíduo é o centro do universo, e é apenas porque o universo está repleto de tais centros que ele é precisoso.”
Elias Canetti


Um belo dia, manhã, uma manhã cinza no dia de um homem, ele acorda. Os pensamentos são formados nas madrugadas, nos dias, no silêncio do sono. A sua formação não é uma enciclopédia, um compêndio, um quadro estático na parede sem cores nem relógios. O formato que se tem é que a vida é uma sucessão de acontecimentos. Teorias ao longo dos séculos.
Esse homem atravessou parte do ocaso do século XX, vivendo intensamente as mudanças sofridas e impostas no Ocidente. O Ocidente impôs. O pensamento no mundo ocidental, uma parte viva do mundo, que está na Complexidade de Morin, não serve mais como uma simples descrição de fenômenos, mas o é, também. Nesse belo dia, o homem percebe que é o mesmo dessas alterações, que é parte de uma mesma coisa, de tudo no mundo. Não é literatura; é a realidade esfacelando-se a partir do momento de cada manhã em que o homem coloca seus pés novamente no chão. A literatura é a mesma que salva o sonho de um dia acordar no absoluto dos conceitos. E como diria Morin, através da literatura o homem torna-se o que produz “pelas ideias”, e neste acordar que todos fins se mesclam com o hibridismo do ensaio. A vida é isso.
As ideias sobrevivem porque os homens as alimentam de novas roupas e novas informações e conforme as necessidades; os mesmos homens que as negaram tratarão de dar-lhes forma diante dos acontecimentos.
 As teorias sobrevivem porque os homens se espalham pela terra e, como diz Morin, o desconhecido não é apenas o mundo exterior e, sim, sobretudo, nós mesmos. As crenças nas verdades, na lógica ocidental, nos fatos e no Cotidiano da comunicação entre esse homem e todos pelo mundo afora e adentro, do Ocidente ao Oriente, da rua à casa, do real ao hiper-real, do conceito ao Imaginário[1], da linguagem à comunicação, e tudo na esfera do vivido, do jogo, permaneceu porque o visível passa do inteligível ao sensível e ao invisível. Lembrar de Heidegger, do “Ser” como a compreensão “indeterminada” e do mesmo modo “sumamente determinada”. Do homem que ao acordar personagem se dá conta de que ele compreende a palavra “imaginário” e com ela todas as derivações, as variações possíveis, ainda que essa compreensão pareça indeterminada. Inacabada. Esse imaginário povoa seus dias. Ele retorna ao “Ser” e em Heidegger: “O que compreendemos, o que se manifesta, de algum modo, na compreensão, dele dizemos, que tem sentido. O Ser, porquanto, é simplesmente compreendido, tem sentido”.
 Do possível ao impossível, esse homem, dentro da complexa colcha do pensamento, será sua única saída para o mundo. O seu mundo diante do que está em discussão, sendo que em um belo dia, esse homem acordou fora do apenas inteligível. Foi através da “brecha microfísica” que abrira o espaço para o sujeito se postar diante do objeto, diante do próprio decreto mal-aventurado da lógica ocidental, que percebeu que o acaso contribuíra para as suas novas manhãs.





[1] A partir de Castoriadis quando diz que no “por-vir-a-ser emerge o imaginário radical, como alteridade e como ‘originação’ perpétua de alteridade, que figura e se figura”. A Instituição Imaginária da Sociedade. E o Imaginário como figuração de imagens que é parte do presenteísmo de significados ou sentidos em Maffesoli.


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