sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Willy e o Mr. Bones



“Cão como metáfora, se você consegue acompanhar o meu rumo, cão como emblema dos oprimidos, e você não é nenhuma figura de retórica, meu garoto, você é real pra cachorro.”
Paul Auster


A paixão do Mr Bones ao amigo poeta, pária aos olhos dos que julgam é o que não me move mais a ficar triste, mas é o que mais me leva ao abandono do Mr. Bones, esse sim, o protagonista da solidão do homem, do sonho do sonho no acaso do real que se perde nas histórias. Mr Bones que saiu a procurar um novo amigo e se perde na dor que só o humano parece sentir. Esse é o caminho que vai do exercício racional de pensar sobre a escuridão de um outro lugar, de um Eu desconhecido às imagens que a vida nos apresenta e das clareiras que o relógio do tempo soa ao longe. Ao limiar do sentir e viver, é através das imagens que o romance nos leva de metáfora em metáfora à poetização do companheiro cão.



domingo, 26 de outubro de 2014

Cadernos da Primavera IV



“toda a verdade é encurvada e o próprio tempo é um círculo?”
Nietzsche



Em tempos de fraturas na história, na cultura e em tudo que surge, entre o olhar que faz e a mão que destrói, prefiro viver à margem das ideias construtoras de um mundo melhor. Se o mundo começasse pelo desejo de ser um mundo melhor, se o mundo fosse a projeção daquilo que dos sonhos resultasse em algo, certamente não estaria aqui para pensar sobre o mundo. A perfeição existiria, nada de novo e assustador nos aconteceria, acontecimento seria o retorno do Todo, do Mesmo. Então, prefiro mesmo que tenha que ter de errar, de pensar em tudo que não seja uniformizado, só assim eu posso me contradizer e refazer meu pensamento logo ali adiante. Isso não é um pecado. Mas os princípios universais, os existentes, não me encorajam a errar até à morte. Prefiro viver com o bem ao meu lado, com as vicissitudes do engano mas prefiro, também, ver que meu pensamento está na direção do que sonhei e sonho todos os dias. 

Paul Auster

    Do livro "Todos os Poemas" Companhia das Letras, 2013

sábado, 11 de outubro de 2014

Cadernos da Primavera III

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“Pela última vez, deixem de confundir poder e potência... O poder é de um eu, de uma instância, a potência de ninguém.” (Economia Libidinal,  Jean-François Lyotard)

 


Duas coisas me assustam no momento, a saber, a primeira é que ter sempre que vigiar as ideias vis que circulam o mundo como se fosse a diversidade em nome da liberdade, e a segunda, depois disso, saber que elas existem mesmo é querem convencer os brasileiros que o mundo é assim mesmo, uma troca de cadeiras, de favores e vêm com essa, em nome da liberdade de escolha, votem em um de nós para salvar o país da crise.


quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Cadernos da Primavera II


“Aquele que escolhe vê-se livre em sua escolha. Ele pode até mesmo arrepender-se dela e ele demonstra de todas as maneiras que ele assume sobre os ombros os seus próprios atos.”Hans-Georg Gadamer


A razão ocidental de tradição aristotélica e kantiana teve um grande revés ao longo da modernidade no século XX e no que se inicia, no século XXI; e, hoje, demonstra sua força contra aquilo que ela mesmo criou e cuidou com zelo quase moral, a saber, endureceu sua lógica em nome da unidade, destruiu os argumentos que se voltavam contra o silogismo. O que vemos já um bom tempo desde o tiro certeiro no método e na razão é o raciocínio anapodítico como hábito no cotidiano beirando a legitimar a razão de “cachorro louco”, já dizia um amigo meu analítico, um ex-amigo por conta da razão absoluta dele.

Como a razão nunca teve um dono, como ela nunca foi uma casa que se entra, se mobília, se dá nome às coisas como sendo verdadeira, então, tudo começou a valer. Então, o que vimos durante o fim do século XX foi não a derrocada mas a constatação da inteligência superlativa das cavernas que tanto se almejou e se detestou. A ciência foi o único erro que deu certo nisso tudo, transformou o homem em objeto e sujeito. Este século não será fácil, mas o que importa pensar no futuro? ... se o relógio do tempo nos der tempo ‒ o que nos dava a garantia de poder elucubrar em nome do bem pensar ‒, se já não sabemos mais como compreender os ponteiros, se o que cruza a fronteira do real é o que vivemos realmente, como descobrir o pensamento além do pensamento? O propósito para as cabeças que pensam é pensar em desenredar o nó da lógica que enredou na teia do absoluto e nas águas da mesmice do rio poético. Assim se traça as lógicas que estão soltas nesse nó da vida.
   



Passagens

        Brassaï - Pont Neuf, Paris (1949)     “ As ruas são a morado do coletivo.” Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cru...