“Et nous avons posé
nos fronts contre la vitre
Où la nuit sanglotait...”
Où la nuit sanglotait...”
André Gide
A vida corre longe da morte porque teme
encontrá-la logo ali, então, aqui da minha janela, onde estou a ver tudo, o sol
que não chega a existir por completo, o sol que aquece o corpo, o sol que
ludibria a noite da linguagem que ziguezagueia o ambiente fechado à procura de
uma fresta, e das possibilidades de ficar a ver o tempo nos trilhos indo para o
distante dos olhos, é que torna a existência esse não alcançar por inteiro.
Daqui, permaneço com o rosto colado à
janela, como na infância, embaciando o visível a esconder o lado de fora,
molhado o vidro do lado de fora, o vapor que a respiração fazia ao colar o
pensamento. A saliva entre as mãos, o movimento do rosto, a visão de quem se
aproxima ao longe, o som dos passos, depois o hálito que se aproxima mais e
mais e um rosto lindo de lábios grandes, de pele que desponta em todas as cores,
que me atravessa ao meio. Diz a voz: “vamos todos ao teu lar, vamos invadir tua
casa como se invadíssemos um país” da mulher com gosto de água da chuva. E como se tomando uma forte baforada enlaça nossas
armas de uma linguagem límpida e intrínseca que discorre a todos os poros, que
marca a existência com a primazia do compreender: o que existe além do desejo?
Ao ataque, armas de sonhos. Ah, elas invadem mesmo, penso. Que força tem os olhos
dela! ...é a mesma cor do que penetra os sentidos a me jogar para dentro do
quarto repleto de uma força de invasora. Então, quem é você mesmo, uma pureza
entre o dia e a noite? Como o rosto colado no vidro, a primavera vem no brilho
dos desejos, afasta as lágrimas do vidro que seca ao ver o dia brilhar lá fora
e se esquece de tirar a testa colada nas vidraças do tempo.
"Aristóteles tinha, pois, razão a este respeito quando afirmava que ser bom a inventar metáforas era ter olho para as semelhanças."
Paul Ricouer
Paul Ricouer