domingo, 21 de julho de 2013

A Sem-Vergonha


                                            Firenze 
Ela, a Sem-Vergonha, é uma bela moça que vive nas redes sociais, sabe enfrentar a dor de não ter a vida por inteira, os estilhaços e o gás fazem da tez a carcaça ser brilhante, insuflar a poética. Não admite ver a vida saqueada pelos benfeitores da vida, ela não aguenta mais olhar a vida a latir, a bramir essa realidade dos que tomam conta de tudo e todos. A cidade é o espaço da mobilidade das mãos, dos pés, de tatuar a utopia, de detonar a bomba na casa dos donos do país... a rua é da Sem-Vergonha, é dos outros cachorros, dos felinos, dos meninos e das borboletas, a cidade é da diferença que anda em duas rodas, que cruza aos pés e mãos em troca de dialógicas mensagens, de uivos coloridos e de goles a golpe de vinhos e do longe se chega perto. Aterroriza-se o altar da igreja dos acomodados. A rua é da Sem-Vergonha. Hoje ela não voltará para casa, está ocupando a casa do poder. Ela está mais linda do que nunca... é a reaparição dos Goliardos do século XXI.

sábado, 20 de julho de 2013

Henry Miller ao sábado




#Ẹra uma vez uma rainha de cabelos de ouro e nádegas de ébano. Ela vinha do Trópico de Capricórnio, que fica abaixo da linha do Equador. Sua língua era de mercúrio e ela adorava estranhos deuses. Eles eram de tamanho e peso proporcionais. Ela os reunia, quando queria divertir-se, e os escondia num cofre. Às vezes usava-os em torno do pescoço, como contas. Frequentemente, quando saía para passear, dizia consigo mesma: “Ainda há lugar no cofre para outro deus”. Por isso mesmo, ao som de passos indubitavelmente divinos, ela se prostraria aos pés de um desconhecido e diria: Você é meu deus! E eu o adorarei para sempre...sempre!”. Por ser impulsiva demais para observar detidamente o que via, descobriria um dia que se enganara, que dera sua devoção a uma vaca ou a um golfinho.#

(Henry Miller – Crazy Cook, tradução: Raul de Sá Barbosa)


domingo, 14 de julho de 2013

A cidade

                    © Ana Ferrary

A cidade de cheiros, de olhos de cruzada, crucifixo nas pernas, nos peitos, no pau emblemas, um adeus! A cidade é da gente, é dos que estão indo embora, dos que chegam aos borbotões, em suas peles, cores, dentes e gemidos, a cidade está dentro da gente. A cidade de gente que brinda o seu aniversário na dor do rio que agoniza em suas águas, aos olhos dos viajantes, de gente na alegria do gozo embebido, de gente que se ferra sem grana no bolso... A cidade está repleta de gente que morde seu pedaço de vida, que bebe seu vinho, que se aquece nos braços da gente. A cidade está cinza, a cidade está viva. A revolução é contínua.


“Mesmo quando o mundo cai aos pedaços, a Paris que pertence a Matisse estremece com brilhantes e ofegantes orgasmos, o próprio ar está cheio de esperma estagnado, as árvores emaranhadas como cabelos.”
                                                                                            Henry Miller

                                © Ana Ferrary

terça-feira, 9 de julho de 2013

Os treze desaforismos de um voyeur



“Pensar é um ofício cujas leis estão minuciosamente fixadas.”
Padre Chenu (Marie-Dominique Chenu)



Voyeurismo é uma forma incontornável de voltar os dedos ao ponto de partida. O desejo.

Voyeurismo é a forma irreversível de voltar a punheta ao ponto inicial da procura. O desejo muda de janela.

O voyeur é aquele que se veste de maneira adequada mas escancara sua alma ao despir-se diante do objeto espreitado.

Os olhos do voyeur não permitem que a cerração tome conta do ambiente.

Todo voyeur deveria ter seu amuleto dentro da retina.

A mão de um voyeur transpira quando ele folheia a última página da História do olho.

O voyeur quando diz Não é porque está pensando no próximo Sim a outro vulto passante.

Um voyeur não tem religião, exceto quando ele diz: pelo amor de Deus, deixe eu ver essa marquinha.

A merda é que temos voyeur e voyeurs.....o moralista voyeur pode tudo, menos ser o traído pelo outro que existe dentro de si.

Nunca revele o seu sonho a um voyeur possessivo, ele poderá cegar o seu prazer para o resto dos dias.

O olhar é o ofício do voyeur cujos os sentidos estão na imagem só vista na alma do olhar.

O olho nu do voyeur desnuda tua leitura, depois parte sem dizer adeus.

A melhor história é aquela que se vê na leitura dos olhos.



terça-feira, 2 de julho de 2013

O Movimento da Vida, o Livro


É claro que o que move o livro é o acesso ao leitor, vice-versa, o leitor só faz o livro ter alguma importância se tiver o livro em mãos. Aos olhos, o pensamento movente e o que Bergson entoou: “O conhecimento que você me traz incompleto, eu o completarei”. Eis a questão: que tipo de livro, qualquer livro, qualquer texto, um romance, um ensaio, uma biografia, autoajuda, técnico, filosofia, qual mesmo? O desconexo para muitos não precisa ser e nem assim deseja a unificação mas o livro é nexo dos desconexos, é texto que vai da vertigem da linguagem à compreensão das páginas. Eu digo que tenho minhas preferências, como leitor, como alguém que busca escolher a partir do que lê, do que gosta, mesmo que isso tenha sua complexidade, que não contemple o todo do meu gosto, porque o negócio do livro é o negócio, mas eu aprendi mesmo sobre a importância do livro foi com o negócio Vida, com as relações que tive até aqui... até o século XXI desbancar o século passado. Nada de excepcional se o livro acabar, afinal de contas o dito pelo não dito não precisa da escritura para ser dito. Para clarear as ideais, aí sim, é como se a vida tivesse no sentido de dois trens que deslizam sobre os trilhos, a mesma velocidade, em vias paralelas, a sensação, é que para cada um dos trens, o que está sentado de um lado olha o outro, e se veem, sem movimento, como se estivessem parados, é assim, quando se está com o livro na mesma velocidade da vida. A vida parece que não passa, não sai do lugar, mas na realidade um desaparecerá antes que o outro possa perceber, tão rapidamente, que o outro só enxergará o que ficou na memória. Vestígios.  

“O mundo material, dizem, irá dissolver-se e o espírito afogar-se no fluxo torrencial das coisas. – Que se tranquilizem! A mudança, se consentirem em olhá-la diretamente, sem véu interposto, bem rapidamente lhes aparecerá como o que pode haver no mundo de mais substancial e de mais durável.”
                                                                              Henri Bergson 

Passagens

        Brassaï - Pont Neuf, Paris (1949)     “ As ruas são a morado do coletivo.” Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cru...