sexta-feira, 21 de junho de 2013

Elias Canetti em “Pergunta e resposta”


Elias Canetti é um autor atualíssimo, é um romancista, ensaísta, um profundo estudioso dos fenômenos sociais. O passar dos anos tornou suas ideias cada vez mais lúcidas, pelo menos para este leitor. Tenho como um dos livros que mais amo “Massa e Poder”.



"Toda pergunta é uma penetração, uma incursão. Quando a pergunta é utilizada como meio de poder, ela corta feito uma navalha o corpo do interrogado. Já se sabe o que se pode encontrar; mas não se quer realmente encontrar nem atingir isso. Com a segurança de um cirurgião, penetra-se nos órgãos internos. O cirurgião mantém sua vítima com vida para averiguar coisas mais precisas a respeito dela. Este é um cirurgião de tipo especial, que trabalha conscientemente com a provocação de uma dor local. Ele irrita determinadas zonas da vítima para saber coisas seguras a respeito de outras." p. 317




quinta-feira, 20 de junho de 2013

Passagens




“Para mim, nada era prescrito, nada proibido, nem carne, nem roupas, nem mulheres de tal ou tal casta, nem modéstia, nem devassidão.”
Paul Nizan


Quando nasci, alegria de mãe, a infância, a ditadura,
O cuidado de pai, a vida em família, a loucura do Brasil,
A solidão da juventude nos anos de chumbo, a alienação,
Os irmãos, o espelho do mundo, a morte, a educação,
A frustração, o primeiro arrependimento, o beijo no vazio,
A primeira namorada, a vergonha de ver o país em ruínas.
A compreensão do mal, a falta de intimidade com o bem,
A resposta cartesiana para tudo, a força positivista,
A morte, a ditadura, o futebol, a ilusão, a música, a escola,
Os amigos, as brigas, as serpentes, os cachorros uivaram, o lobo,
A intimidade, o mundo nas ondas do rádio, o cinema imaginário,
O sonho de viajar, o beijo roubado, a paixão por figurinhas,
O jogo, o lúdico, o fim da infância.
A adolescência, a frustração, o fechar de olhos, o abrir o peito,
A morte de amigos, de parentes, a vida batia na minha cara!
O fim de um tempo. A cidade grande, os amigos, a ilusões.
O país do futuro, o presente de merda, o grito de porra, o gozo.
A foda de comida, a fonte de vida, o grande beijo, os livros...
A vida era um filme, um livro sobre o nada.
A juventude envelhecida, o país de vadios, de vícios bons, de malditos do bem...
De bons mocinhos do mal, de maldade em maldade a Brasil,
O novo século, a morte, a doença, a revolta trazida do interior,
A cara de maldade do adeus, a fome de bola, a bola nas costas, o país do futuro.
A velhice não demora, a vida avança o medo das rajadas, dos tiros,
A ditadura dos dentes, da raiva da razão cega, do estertor da verdade vazia.
O Brasil do presente. A rede, a fonte de vida, o lado orgânico do amor, o beijo que dei ao vento.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

A Revolta de Jean Baudrillard



“Quem pode enfrentar o sistema globalizado? Com certeza não é o movimento antiglobalização, cujo único objetivo é barrar a desregulação. Seu impacto político pode ser considerável, mas o impacto simbólico é nulo. Essa violência ainda é uma espécie de peripécia interna que o sistema pode superar, mantendo-se dono do jogo.”
Jean Baudrillard

A força do pensar baudrillardiano se mantém mais do que viva, é o transparecer contra a representação, é o olhar ao sol contra o olhar cadente, único, o olhar contra os que pensam que as ideias existem para legitimar algo. Isso já passou. O tempo deles está morto, vem se desmoronando – lá pela metade do século XX–, mas ninguém ousava pensar diferente, porque pensar a diferença é sempre um afronto aos ideólogos de um estado de conceitos que foram se sobrecarregando, obsedando, o mundo de uma fuligem que na certa, um dia, todos os dias isso vem acontecendo, os dias vão mostrando o contrário...Aí todos, sem distinção se tornaram cada vez mais seletivos, tentaram salvar suas almas de pesquisadores impondo um pouco do que restava da modernidade, do pouco que restava do ideário conservador, ou seja, de primeiro a Redenção – a sua....o Reconhecimento – o seu....depois os Outros....aqueles que só poderiam chegar perto, reverenciar, antes era da ordem dos adoradores, hoje, no esfacelamento desses valores, na tentativa última de glória, virou sinônimo de todas as esferas da vida. O cotidiano se encheu de tudo isso...agora...e agora o que temos? A liberdade, um dos poucos atributos, um dos poucos conceitos que não morreram com a destruição dos valores do século XX.

“Profetizar a catástrofe é de uma banalidade inacreditável. Mais original é considerar que ela já aconteceu.” Jean Baudrillard
            De Jean Baudrillard - New York - 1997

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Antes do Amanhacer




No seio da luz, o mundo continua a ser o nosso primeiro e o nosso último amor.”
Albert Camus
“O dia nasceu macio e redondo, disposto a furar o silêncio.”
Eduardo Cabeda


Antes do dia acordar, antes de todos os olhos se abrirem, a vida está acessa, o que resta da noite está entre paredes, está no meio das roupas, das pernas aquecidas....o que está na rua está frio, está entre as pernas o frio e o calor da vida desaguando nas ruas da cidade adormecida. Entre os que vivem e os que morrem sobra apenas o resto... todos morrem ao abrir os olhos, os que estão presos em suas vidas, os que mataram, os vampiros do sol...eles se deram de cara com a escuridão... esses, os loucos, sabem morrer e viver na escuridão...não mais saberão enfrentar o frio do dia cinzento, o sol existencial de Meursault do século XXI, ...o grito é outro, o estrangeiro está diante do sol como da escuridão, a saída é correr, morder a manga da camisa, se proteger do veneno, enfrentar os vampiros da ordem...nem toda ordem é uma ordem, é um afronto ao temor, um cão que late, briga na lata...come na mão própria, mesmo sem braços, inventa um prato imaginário, corre até o ônibus, foge para a escuridão da avenida e aguarda o novo dia.

Passagens

        Brassaï - Pont Neuf, Paris (1949)     “ As ruas são a morado do coletivo.” Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cru...