sábado, 21 de março de 2009

O Carteiro sempre toca duas vezes


Ossessione - Visconti (1943)

"É preciso portanto que não somente o espectador mas também os protagonistas invistam os meios e os objetos pelo olhar, que vejam e ouçam as coisas e as pessoas, para que a ação ou a paixão nasçam, irrompendo numa vida cotidiana preexistente."
Gilles Deleuze



A sensação ótica, sonora do ambiente. O entrar no imaginário. O que deixa de ser sensório-motora e passa aos sentidos, em que a ação não é a prioridade e sim o vagar sobre as imagens, o som, que depois entre cores, se tornou o signo entre vozes e gestos. O cinema falando, falado entre os tempos. Ecran como palco dos sentidos. Para além das ações. Todo real se desfaz em sensações, os objetos antecedem os fatos. O caminhar é o passo dos olhos que dão vida ao movimento. O cinema é a lembrança que perdeu o caminho de casa.

sexta-feira, 20 de março de 2009

terça-feira, 17 de março de 2009


Roma, Città Aperta- Roberto Rossellini (1945)

Roma, Cidade Aberta de Rossellini com os olhos do padre perdido na beleza feminina. A resistência também ao pecado. Lindo instante.

domingo, 15 de março de 2009

Encontros Fragmentários




Sim, eu cresço. Mas a vida desperdiça a morte.
O mundo visto pelo olhar da criança em dois momentos. Truffaut, em Les 400 Coups (Os incompreendidos) e Rossellini em Alemanha, Ano Zero. A arte do efêmero, da vida, do fragmento de vidas.



sexta-feira, 13 de março de 2009

Ecran


Scorsese

Minha boca, tua boca,
teus lábios na ecran imensa de lençol,
minha língua na lembrança do tempo que perdeu o caminho de casa.
O retorno dos sentidos só após a leitura
do instante em teus seios que se revelam depois do beijo com gosto de um filme neorrealista.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Notas Sobre a Filologia Canina



"Esse mistério não é descritível em uma conceptualidade apropriada qualquer, mas é sempre uma vez mais demonstrável no negativo: o mundo submerge quando mergulhamos no sono; o mundo submerge quando fechamos definitivamente os olhos."
Hans-Georg Gadamer


Depois de passar o dia todo em uma sala de aula expondo os argumentos sobre o meu novo livro, “A Filologia Canina” e ninguém sequer piscar o olho esquerdo ou direito para olhar a cachorra mais linda da sala, minha aluna preferida, a Fenice, reconhecida entre os amigos como fenomenologia da turma. Ela era uma ave encantadora que certamente renasceria das próprias cinzas. Sim, ela. No livro procurei pensar a fenomenologia através dos olhos da Fenice, a mesma a encantar homens e mulheres no Século XX, e que nunca conseguiu tirá-los do “sombreamento” de Husserl, o que ele chamou quando se olha um copo de um lado, e que de outro ângulo não podemos ver nada além do que já está sendo visto pelo lado oposto. Aliás, só para lembrar uma história que já virou lenda, certa vez Sartre acabou vendo bichinhos ao passar sobre uma ponte do Sena. Dizem que ele estava sob efeito de substâncias psicoativas, seria lisérgico, mas sabe-se que era uma experiência, toda aquela história de alteração de consciência, a percepção das coisas, do mundo. Sinceramente, hoje isso não iria alterar em nada do já temos sobre a percepção do mundo, mas o próprio Sartre deve ter sentido a partir daquele momento contrariando Husserl e toda filosofia moderna. Ele comungou com a tradição mas foi sua poética, essa sim, sob o olhar fenomenológico que foi além da filosofia. A Fenice a observar os aspectos do livro que se desmorona nas paredes dos olhos me ajudam nos argumentos.
Os comportados e corretos filósofos esqueceram dessa piração? Volta à Fenice, a Feno, assim como todos a chamam pelos corredores do prédio antigo da universidade. Iniciada em estudos linguísticos, em astrologia, Runas e outros balangandãs da alma e do corpo, agora ela distoa das origens; dos fenômenos em salas de aula na Alemanha com Heidegger, Husserl ou dos franceses Merleau-Ponty ou Sartre para ressurgir das cinzas num voo rasante. Só para dar uma das referências, ah, vão dizer que esqueci outros, Gadamer e mais outros, mas prefiro nomear segundo o meu interesse quando estou pensando na personalidade da Feno. É o que religa a mulher, não mais a garota balzaquiana, 29 anos de beleza e arrogância lógica e de sentimentos para lá de duvidosos quando se trata de estética e literatura. Ela é pura energia, seu olhar perde-se na minha fala. “Sei o que ela pensa”, qualquer um gostaria de saber, sei o que eu queria dizer e que tinha escrito aquele livro por pura ambição de tê-la em meus olhos, de todos os lados. Quando simplesmente penso nela agora. Quando não escrevo nada. Apenas falo sobre os fenômenos contemporâneos que desfazem a idéia do “sobreamento” de Husserl.
Nela, na Fenice, a paixão que tinha se guardada anos entre as ruas de cidades, de livros que li e os deixei para atrás, da minha casa à Universidade de Estudos Patafísicos, onde eu era professor, até o Café Breton, em que ela era dona e herdeira de seu avô materno. A minha amada latia mais que os perros perdidos de Barcelona, mesmo sendo uma ave milenar. Estávamos sempre ouvindo música antes das aulas, estávamos sempre falando à toa com os amigos, com os clientes e eu sempre, no meu canto, quando não estava junto, lendo ou preparando aula, bebendo um vinho ou café com conhaque. Foram os invernos mais felizes de minha vida. No verão eu subia as montanhas. Fugia da Fenice, enquanto ela era puro mar, sol. Não queria mais saber de sol intenso, ela sim. Praia no Brasil com os amigos e minha solidão junto ao Cartola no esquecimento do Nada. Isso durante dois anos até que eu terminasse de escrever “A Filologia Canina”, uma homenagem aos latidos, à cachorrada vadia que já encontrei perdida por esse mundo, nos bairros do Rio de Janeiro ou na Espanha, e que teve início em Porto Alegre, lugar em que conheci a perdição da vida. Na França a cachorrada avistada era de um jeito, mas nenhuma perto dos pés, dos braços lindos dela, do hálito místico e descrente da mulher pós-tudo de Barcelona. Lembrei do Caetano Veloso, quando Fenice me presenteou com um cd do Cartola, que ele prefere o Nelson Cavaquinho em um texto escrito no Obra em Progresso. Eu também, só que prefiro os dois juntos.


Passagens

        Brassaï - Pont Neuf, Paris (1949)     “ As ruas são a morado do coletivo.” Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cru...